O governo britânico decidiu aumentar o teto de seu arsenal nuclear, pela primeira vez desde a queda da União Soviética, ao final de sua revisão estratégica de segurança, defesa e política externa publicada nesta terça-feira (16).
Esta revisão estratégica, a primeira desde a saída do Reino Unido da União Europeia, e uma das mais importantes desde a Guerra Fria, também aponta a Rússia como uma grande ameaça ao país e demonstra o desejo de se concentrar na região Indo-Pacífico.
Uma das principais medidas do relatório de mais de 100 páginas, que será detalhado pelo primeiro-ministro Boris Johnson aos parlamentares, é que o Reino Unido passe de 180 para 260 – um aumento de cerca de 45% -, o teto máximo de seu estoque de ogivas nucleares. Com isso, porá fim ao desarmamento progressivo implementado desde a queda da União Soviética, há 30 anos.
Essa mudança de rumo, após o compromisso assumido por Londres em 2010 de reduzir seu arsenal nuclear até meados da década de 2020, é justificada por uma “crescente gama de ameaças tecnológicas e doutrinárias”, segundo o documento.
“A história mostra que as sociedades democráticas são os defensores mais fortes de uma ordem internacional aberta e resiliente”, diz Boris Johnson no prefácio. “Para estarmos abertos, também devemos estar seguros”, acrescentou.
Isso exige, segundo ele, o fortalecimento do programa nuclear britânico.
“Como as circunstâncias e ameaças mudam com o tempo, devemos manter um nível mínimo e confiável de dissuasão”, justificou nesta terça-feira, antes da publicação do relatório, o ministro das Relações Exteriores, Dominic Raab, questionado pela rede BBC.
“É a última garantia, a apólice de seguro definitiva contra as piores ameaças de Estados hostis”, acrescentou.
Essa revisão estratégica em questões de segurança, defesa e política externa determinará a linha do governo para a próxima década.
Chega em um momento em que Londres tenta se reposicionar, desde o Brexit, como uma grande potência no cenário internacional, segundo o conceito “Global Britain”.
– “Ameaça direta” –
Reafirmando o papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) como “a base da segurança coletiva” para a zona Europa-Atlântico, o documento apresenta a Rússia de Vladimir Putin como “a ameaça direta mais aguda contra o Reino Unido”.
E se mostra mais matizado em relação à China, com a qual Londres deseja aprofundar seus laços comerciais, descrita como um “competidor sistêmico”.
Londres mantém relações tensas com Moscou e Pequim, após o envenenamento em território britânico de um ex-espião russo e o agudo questionamento da política chinesa em Hong Kong.
Os soldados britânicos também deverão servir “com mais frequência e por mais tempo” no exterior.
O documento alerta para a “possibilidade realista” de um grupo terrorista “conseguir lançar um ataque CBRN [químico, biológico, radiológico, ou nuclear] até 2030”.
A possibilidade de aumento do arsenal nuclear britânico fez reagir a ICAN (Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares), que considerou que “violaria os compromissos que (Londres) assumiu sob o tratado de não-proliferação nuclear”.
“A decisão do Reino Unido de aumentar seu estoque de armas de destruição em massa em meio a uma pandemia é irresponsável, perigosa e viola o direito internacional”, afirmou a diretora da ONG, Beatrice Fihn.
O grupo da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND) vê isso como um “primeiro passo para uma nova corrida armamentista nuclear” e uma “grande provocação no cenário mundial”.
Para sua secretária-geral, Kate Hudson, “alimentar as tensões globais e desperdiçar nossos recursos é uma abordagem irresponsável e potencialmente desastrosa”.