Entre os milhares de russos que foram viver no Reino Unido depois da queda da União Soviética, há espiões e milionários de passado obscuro, cujas dívidas podem acabar sendo cobradas de maneira trágica nas ruas britânicas.

A presença destes russos fascina e serviu de inspiração a séries de televisão, como a recente “McMafia”, da BBC, filmes como “Eastern Promises” – dirigido por David Cronenberg e protagonizado por Viggo Mortensen, também sobre a máfia russa – e livros como “Londongrad”, que explica a chegada dos magnatas.

Para além da ficção, há uma saga real e sinistra.

Seus últimos episódios são a morte de Nikolai Glushkov, um exilado russo, parceiro de negócios do oligarca e opositor do Kremlin Boris Berezovski, cujo corpo foi encontrado na segunda-feira perto de Londres em circunstâncias inexplicadas, e a tentativa de assassinato com gás nervoso do ex-espião russo Serguei Skripal e de sua filha Yulia nas ruas da aprazível cidade inglesa de Salisbury. Skripal foi condenado em seu país por alta traição.

Uma série que teve outros capítulos notáveis, como o de Alexander Litvinenko, o espião russo que se tornou inimigo do Kremlin, morto em 2006 com polônio-210, ou o do milionário russo Alexander Perepilitchny, morto repentinamente em 2012 aos 44 anos e em cujo corpo foram encontrados traços de gelsemium, uma planta que, dependendo da dose, pode ser letal.

– Trabalhando para o inimigo –

Há 100.000 russos residentes só em Londres, segundo as últimas cifras disponíveis.

As razões para instalar-se no Reino Unido diferem entre espiões e milionários.

No caso dos primeiros, se você era um agente russo “e decidia trabalhar para um país estrangeiro, não olhava para Itália, Espanha ou Alemanha, mas para os Estados Unidos ou o Reino Unido”, explicou Yuri Felshtinsky, historiador e amigo de Litvinenko.

“Se, por fim, você tinha a sorte de não ser detido ou assassinado, e tinha a oportunidade de emigrar, ia ao país para o qual esteve trabalhando”, acrescentou.

Depois seguem os milionários que enriqueceram à sombra do poder e que, em alguns casos, como no de Boris Berezovski – encontrado enforcado no chuveiro de sua casa londrina, em 2013 -, caíram depois em desgraça.

O empresário russo e ativista anticorrupção Roman Borisovich distingue duas ondas de imigração russa desde a queda da ex-URSS: uma anterior à crise econômica de 1998 e outra posterior.

A primeira era “vibrante, jovem, profissional”, com desejo de se integrar, e transformou Londres “em um centro financeiro russo”, explicou à AFP.

A crise varreu tudo isso e chegou a segunda onda, mais fechada e ensimesmada, composta por “russos ricos, suas famílias, seu pessoal, seu entorno”, batizados de oligarcas e caricaturizados como ostentosos.

– “Um país aristocrático onde viver uma vida rica” –

“Londres tem umas regras muito frouxas na hora de aceitar dinheiro de estruturas opacas, de empresas anônimas offshore”, acrescentou Borisovich.

“Isso atrai clientes russos e de outros países, dispostos a comprar anonimamente e criar um novo estilo de vida (…) Obviamente, também é um centro cultural, educativo e tudo o mais, mas principalmente é a aceitação fácil do dinheiro sujo”, acrescentou.

Borisovich é o organizador de “tours da cletpocracia”, que levam os visitantes pelas residências mais espetaculares compradas com o dinheiro sujo procedente da Rússia.

Os bilionários russos comparam apartamentos fantásticos em Chelsea, Knightsbridge, Kensington… – qualquer lugar ao redor de Regents Park ou Hyde Park valia -, frequentam as melhores lojas – Harrod’s, as alfaiatarias de Savile Row – e os melhores restaurantes.

Além das possibilidades de lavar dinheiro, o luxo também explica essa paixão britânica.

“É um velho país aristocrático que permite viver uma vida muito rica. Não ocorre em muitos países. Na França, você se sentiria um pouco incômodo dirigindo um carro esportivo extremamente caro”, argumentou o historiador Felshtinsky.