Entre os inúmeros impactos provocados pela pandemia, a mudança no hábito do consumidor vem obrigando o comércio de luxo a mudar suas estratégias pelo mundo. O mercado precisa recuperar os patamares das vendas anteriores à Covid, mesmo em um cenário desafiador de crise global, inflação de dois dígitos e aumento do desemprego. Uma pesquisa publicada pela empresa de estratégia americana WD mostra que em 2022 60% dos consumidores vão continuar trabalhando de casa durante metade da jornada e 40%, ao longo de um terço do expediente. Isso quer dizer que o comércio nos arredores dos homeworks terá a preferência natural do consumidor. A notícia é boa para o bairro e péssima para os grandes centros de compras. Atrair esse comprador de volta aos shoppings centers ou para os endereços de compras luxuosos a céu aberto, como a Rua Oscar Freire, em São Paulo, virou um grande desafio. “Uma das saídas encontradas pelo mercado foi aumentar a conveniência do ponto de venda”, diz Henrique de Campos, professor da Fundação Getulio Vargas. “A loja precisa oferecer mais atrativos e experiências, que justifiquem o consumidor sair da região onde mora para fazer compras.”

Grife de moda do universo fitness, com 299 unidades, a Track & Field abriu um pequeno restaurante dentro da loja que tem no Shopping Iguatemi, em setembro. O objetivo foi criar um ponto de encontro dos amigos com produtos saudáveis e sustentáveis, que também precisavam de um bom ponto de venda. “Procuramos estender o conceito de bem-estar para além das roupas que produzimos”, diz Fred Wagner, CEO da marca, que durante a pandemia atraiu 130 mil clientes com aulas gratuitas de ginásticas nas plataformas virtuais da empresa.

No café da marca, os pães são de fermentação natural, da chef Flávia Maculan. Das máquinas de expresso, sai o café Minamihara, orgânico e natural, de agricultores japoneses do interior de São Paulo. O espaço ainda tem parceria com a Delicari, marca de laticínios elaborados com ingredientes naturais. Outra atração do cardápio é a linha de bolos da confeitaria Zilberstein. E tudo que está no cardápio pode ser entregue em casa. “A loja do Iguatemi vai funcionar como piloto.” Ainda este ano, abre nas unidades do Shopping Higienópolis e dos Jardins.

“É a marca abrindo espaço para outras marcas, que não competem com os artigos esportivos, mas que foram escolhidos de acordo com DNA da grife”, explica Campos. “O conceito store in store (em inglês, loja dentro da loja) é muito forte nos EUA. Quando você coloca uma grife como a Balenciaga dentro da Macy’s, há um duplo impulso para as compras.”

Esse conceito foi incorporado também pela Amaro, confecção de roupas jovens que nasceu no mundo virtual e depois implantou lojas físicas – são 20 unidades em 11 estados. Atualmente, além das roupas e acessórios da etiqueta, a empresa abraçou 300 marcas parceiras do setor de beleza, casa e bem-estar. “Isso amplia e diversifica nosso público”, diz Daniela Valadão, diretora de varejo das lojas físicas da Amaro. Ela explica que a loja física se transformou em extensão do site. “Hoje, das 100 transações de varejo da moda feminina, 89 ocorrem em lojas físicas”, explica.

PRATICIDADE A influenciadora Isa Domingues, na guide shop Iguatemi 365, que tem 50 marcas, o restaurante Manioca e a livraria Cultura (Crédito:GABRIEL REIS)

Muito diferente do antigo conceito de multimarca, a store in store proporciona uma divisão de espaço por marcas com afinidades, que lucram na exposição da imagem e nos custos de operação. É uma solução conveniente em momentos de crise. A queda nas vendas provocada pela pandemia levou lojas de shopping a migrarem para a rua como forma de enxugar os custos. Foi o caso da MOB, de moda feminina, que transferiu a loja do Shopping Morumbi para endereço próximo, no Brooklin.
Nos shoppings também existem casos em que diminuir o espaço locado virou necessidade financeira. Com a pandemia, a majestosa loja da livraria Cultura no Shopping Iguatemi desocupou dois dos seus três andares. Sem ter outro cliente do mesmo porte para substituí-la, o shopping abriu a loja física da Iguatemi 365, e-commerce com produtos exclusivos de 50 marcas, selecionadas por uma curadoria de moda. Trata-se de um guide shop, uma espécie de mostruário da loja virtual, sem estoque. O espaço lembra o de uma loja luxuosa de departamento. Mas o conceito não é bem esse. “Conseguimos reunir e dar destaque a cada uma das grifes. Algumas são internacionais, outras nacionais. Há casos de marcas novas, que não teriam fôlego para abrir uma loja no shopping e de grifes internacionais conhecidas, que não querem se arriscar nesses tempos de crise”, diz Mario Meirelles, diretor de negócios digitais do Shopping Iguatemi e ex-diretor da Amazon para América Latina. O espaço oferece desde Longchamp a produtos da ONG Orienta Vida.

As lojas pagam para expor os produtos em uma prateleira ou nicho por um período e o shopping cuida da operação de vendas. Todos saem ganhando. A 365 vende roupas, brinquedos, objetos para casa e até joias. “As lojas estão aprendendo a se comunicar com o cliente”, diz a arquiteta Isa Domingues, influenciadora e cliente da 365. Para facilitar, todos os preços, cores disponíveis e informações dos produtos estão no QR Code da etiqueta. O cliente compra pelo celular e recebe em casa. “Ninguém gosta de carregar sacola, nem de perder tempo”, diz ela.