RODOVIÁRIO Em 2018, bloqueio de 11 dias realizado na greve dos caminhoneiros causou prejuízos de R$ 15,9 bi (Crédito:Moacyr Lopes Junior)

Os analistas em infraestrutura, os donos das cargas e as empresas de transporte sabem que o transporte de mercadorias pelo mar, ou cabotagem, é uma excelente opção para grandes volumes chegarem a locais distantes. Mas, desde a década de 1950, o Brasil vem privilegiando as rodovias e deixando de lado seus 7.491 quilômetros de costa. Atualmente, 67,6% das cargas são levadas pelas estradas e apenas 10,6% pelo mar, de acordo com o Ministério de Infraestrutura. Essa falta de equilíbrio representa um grande gargalo na infraestrutura logística brasileira. Mas há luz no fim do túnel. Depois de três anos de discussões sobre os entraves da atual legislação do transporte por mar, o governo sancionou a lei 4.199/2020, batizada de BR-Mar, um Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, que dá mais flexibilidade ao setor.

“A nova legislação possibilita o aumento de oferta de equipamentos”, diz o economista Claudio Frischtak, especializado em infraestrutura. Ele se refere, por exemplo, à falta de navios para comportar a demanda do mercado. “A fabricação exige grau altíssimo de especialização, que o Brasil não tem. A China é muito boa nisso”, diz Frischtak. A partir de agora, as empresas de cabotagem poderão afretar embarcações estrangeiras com casco nu e colocar a bandeira brasileira, além de usarem navios de subsidiárias estrangeiras com o símbolo do país de origem.

“Outra modificação se refere à tripulação, que não precisa mais ser brasileira, no caso dos afretamentos”, explica Gesner Oliveira, coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções da Fundação Getulio Vargas. Houve uma série de flexibilizações das normas, que facilitarão a entrada de novas empresas e o crescimento das que já estão em operação. “Isso levará à diminuição do custo do frete”, diz Oliveira. Segundo ele, projeta-se o crescimento de 66% do setor, de 40% no tamanho da frota e de 30% na quantidade de contêineres a longo prazo.

“Estamos animados”, diz Matheus de Castro, especialista em infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que acompanhou de perto essa discussão desde 2019. Ele destaca que o transporte marítimo não está esquecido ou sucateado, apenas subutilizado. “A cabotagem transporta 196 milhões de toneladas (2020), porém 75% desse volume é petróleo e derivados.” A maior parte produzido pelo Pré-Sal.

“O país pode ganhar em estratégia de escoamento de produtos. Tem gente que diz que vai competir com o rodoviário, mas na verdade reforça os dois”, diz Vinícius Picanço, professor de Operações do Insper. Para os especialistas, os modais devem ser complementares para que o País alcance uma logística sustentável e competitiva. “Atravessar o Brasil de caminhão, do Norte a Sul, para levar uma carga não faz sentido. Por outro lado, o transporte por estradas é o mais flexível e o único capaz de entregar na porta do comprador.” Ao contrário do Brasil, países desenvolvidos com proporções continentais investem na logística inteligente. Nos EUA, por exemplo, distribuição do transporte de cargas é rodoviário (43%), marítimo (30%) e ferroviário (27%).

Oliveira, da FGV, calcula que o preço do frete a cada mil quilômetros sai R$ 239,79 por caminhão e R$ 50,74 por navio, em média. Outra questão apontada pelo especialista se refere ao impacto ambiental. A pedido da ISTOÉ, Oliveira calculou a emissão de CO2 entre os modais. Para levar uma tonelada de carga na mesma distância (1.000 km), um caminhão emite 101,2 grCO2/TKU e um navio, 20 grCO2/TKU.

“A BR-Mar poderia ser mais competitiva se a Reforma Tributária tivesse avançado”, diz Oliveira. O governo também vetou alguns itens da lei, como o benefício fiscal da prorrogação do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) até 2023. A medida permitia a importação de máquinas livre tributos.

A atual mudança é uma bem-vinda atualização do arcabouço regulatório do setor de infraestrutura, que ainda é anacrônico. Houve importantes avanços recentes. O Marco do Saneamento foi aprovado em 2020 por uma iniciativa exclusiva do Congresso, depois de anos de tramitação. Em um ano, multiplicou por dez os investimentos na área. O Marco das Ferrovias, aprovado no ano passado, utilizou uma iniciativa que também se arrastava no Congresso para destravar investimentos privados sem a necessidade de grandes concessões. Com ele, o governo prevê investimentos de R$ 80 bilhões. Cerca de 50 empresas já entraram com pedido de construção de trechos de linhas. Esse movimento virtuoso tende a se repetir no transporte marítimo. “Desde a lei dos portos (2013), muitas mudanças foram realizadas e hoje os terminais não são mais um problema”, diz Frischtak. “De três a cinco anos, a cabotagem vai ganhar muita relevância.”