O lockdown de nove dias em Xangai, determinado pelo governo chinês para evitar nova disseminação da pandemia, deixa o mercado global em alerta. Até a terça-feira, 5, um dos centros financeiros mais importantes do mundo estará fechado para testes em massa de Covid-19 extensivos a 26 milhões de habitantes. O início da operação é pelo lado leste da megalópolis, que é cortada pelo rio Huangpu, ficando o lado oeste para a segunda metade da testagem – com dois turnos, espera-se minimizar o impacto nos negócios locais e globais. Ressurge o pesadelo do fechamento de fábricas, com redução de produção principalmente de componentes eletroeletrônicos, e também da logística afetada no transporte de cargas.

Impacto em mercados vai haver, ainda que minimizado pelo lockdown curto, no entender de Álvaro Mollica, estrategista de mercado de emergentes do Citi. O especialista prevê inflação global mais alta, que já vem pelo efeito da guerra na Ucrânia, e que respinga no Brasil, ainda que de forma mais suavizada pela apreciação do câmbio devido à alta do preço das commodities (como um dos grandes exportadores de matérias primas para o mundo, preços mais elevados desses produtos favorecem os fluxos de capital). Para ele, países do sudeste asiático podem ser mais afetados, porque são muito integrados ao ciclo econômico do vizinho, pela redução da oferta de insumos usados para compor produtos eletrônicos, e pelo custo do frete mais alto. Especialistas em China do Citi, segundo Mollica, acreditam que haverá um impacto negativo no PIB daquele país, relativo ao primeiro trimestre de 2022, em torno de 0,5 a 0,8 ponto percentual.

Globalmente, a flexibilidade de abordagem da pandemia pelos chineses, com lockdowns mais curtos e certeiros, ajuda bastante, na opinião do estrategista, assim como as respostas que o governo dá ao mercado, com garantias de apoio por estabilidade. “E a China tem histórico forte no cumprimento de promessas”, observa.

A preocupação do governo é com trabalhadores assintomáticos. Daí a estratégia “Zero Covid” mantida como meta e o lockdown recente em Shenzen, importante centro tecnológico com 17 milhões de habitantes, Dongguan (10 milhões), Changchun (9 milhões) e Shenyang (9 milhões e classificada como megacidade emergente).

“Depois de dois anos de Covid-19, os investidores têm medo, na minha opinião infundado. O mercado se acomoda”
VanDyck Silveira, economista

Assim, mesmo sob pressões comerciais, a decisão pelo lockdown foi tomada quando o número de casos de Covid-19 chegou a 6.215 no domingo, 27, na maior marca diária em dois anos. Xangai bateu o recorde de 3,5 mil positivados e, por isso, pontes e túneis estão fechados, com tráfego e serviços não essenciais parados. Fábricas como a Tesla suspenderam operações entre segunda e quinta-feira (são 2 mil carros a menos por dia), mas o governo adotou o sistema closed-loop: algumas estão abertas, com operários confinados sob protocolos sanitários, como GM, Volkswagen, Pegatron (fornecedora do iPhone) e Semiconductor Manufacturing International (maior fabricante de chips no país).

Para VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios e focado em macroeconomia, o setor financeiro instalado em Xangai preocupa menos que as cadeias de produção nas cidades-satélites. Se faltarem insumos industriais – no caso, eletroeletrônicos, haveria quebra da cadeia produtiva e de distribuição. “O mercado toma decisões para se proteger de um efeito-borboleta que ricocheteie do outro lado do mundo”, diz, exemplificando: um cliente decide comprar um carro de luxo, mas o revendedor não garante a entrega de peças ou mecanismos que normalmente fariam parte do modelo. “É impensável comprar algo que pode virar uma loteria.”

NO PRAZO Até a terça-feira, 5, o governo chinês pretende testar 26 milhões de pessoas em Xangai (Crédito:Kevin Frayer)

Mas a tendência é sempre pela acomodação de mercado, afirma. “A diferença é que tínhamos um alvo único para atacar e hoje várias arestas se apresentam. E depois de dois anos de Covid-19, os investidores têm medo, na minha opinião infundado. Veja o caso da guerra: commodities como o petróleo deram um salto, mas a situação vai responder a incentivos do mercado. Vai se normalizar.”

Meta: Zero Covid

Para o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP, o lockdown curto em Xangai é adequado porque a média de incubação do vírus é de sete dias. “Eles foram bem rígidos no início da pandemia, com bloqueio de fronteiras e quarentena, mas não detiveram a Ômicron. Apesar das vacinas e da infecção aparentemente controlada, precisam segurar para a pandemia não explodir novamente. Imagine o caos nacional em um país de 1,4 bilhão de habitantes.”