O agora ex-ministro da Casa Civil, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, explicou bem a reforma ministerial decidida pelo presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira, 21. “Eu não sabia. Fui atropelado por um trem”, afirmou. A brutalidade do ato mostrou que o Centrão, o nome do trem, ocupou o governo de vez e Bolsonaro escancarou sua fragilidade política e sua vulnerabilidade em relação à CPI da Covid, da qual quer se proteger. Além de entregar a Casa Civil, secretaria que coordena todos os ministérios, para o grande expoente do bloco, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), o governo também decidiu recriar o Ministério do Trabalho, agora chamado do Emprego e da Previdência, e deixá-lo nas mãos de Onyx Lorenzoni, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Com a recriação de uma pasta que prometia extinguir no seu plano de governo, Bolsonaro também desagradou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que deixará de ser responsável pela política de emprego, por exemplo, e terá suas funções esvaziadas. Os militares ficaram decepcionados com a demissão abrutalhada de Ramos, que diz, porém, estar preparado para qualquer nova missão. Ele vai ficar com a Secretaria-Geral.

Se confirmadas todas as trocas, é a reforma ministerial mais simbólica desde o início do governo, aquela que consagra a hegemonia do Centrão. O bloco definitivamente está com todas as cartas nas mãos e nas mangas e impõe sua dinâmica do toma lá, dá cá. Com Nogueira na Casa Civil, um sujeito que apazigua a oposição com dinheiro e acordos vantajosos, Bolsonaro pretende acelerar os conchavos e garantir sua sobrevivência até 2022. E com Lorenzoni no novo Ministério do Emprego, que deverá maquinar medidas populistas, fora das amarras de Paulo Guedes, ele quer aumentar suas chances eleitorais, cada vez menores. Em março deste ano, o Centrão conseguiu emplacar o nome da deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) no comando da Secretaria de Governo, pasta de articulação política com o Legislativo. Bolsonaro depende do grupo para conseguir barrar qualquer possibilidade de ser afastado do mandato. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem em seu colo 130 pedidos de impeachment contra o mandatário. Ciente de seu poder de barganha, Lira faz chantagem para conseguir ainda mais cargos no governo e ampliar os poderes do bloco para além do Congresso, garantindo o controle sobre o orçamento secreto de R$ 3 bilhões, criado por Bolsonaro para saciar esses aliados. A reforma indica que o presidente está disposto a se curvar a todo tipo de exigência porque sabe que sua própria sobrevivência está ameaçada.

SUSPENSE Barros e Guedes: perda da liderança na Câmara e poder esvaziado (Crédito:Sérgio Lima/Poder360)

Poucos minutos depois de Bolsonaro anunciar a reforma durante entrevista a uma rádio, Nogueira, que estava viajando, começou a avisar seus aliados que aceitará o convite do mandatário. A avaliação é de que o senador seria a pessoa ideal para melhorar a relação entre o Planalto e o Congresso, cada vez mais desgastada por denúncias de corrupção e de descaso do governo durante a pandemia. Nogueira, que é alvo de três inquéritos no STF e, em 2017, chamou o presidente de fascista, hoje faz parte da tropa de choque de Bolsonaro, com disposição permanente para negociações. Circula ainda pelos corredores do Planalto que Bolsonaro estuda aproveitar a reforma ministerial para se livrar de outro problema: o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR). O atual líder do governo na Câmara é um dos principais alvos da CPI por suspeitas de participar de um esquema de corrupção na compra de vacinas. Barros foi ministro da Saúde no governo Temer e é considerado o “verdadeiro dono da pasta” até hoje. O martelo ainda não foi batido porque o capitão não teria um nome para indicar para o lugar de Barros na liderança. Caso encontre algum, o mandatário se descola de um dos focos das investigações da CPI e passa a mensagem de que tomou providências contra a corrupção. Procurado pela reportagem e questionado se estava de saída, Barros respondeu apenas que “o cargo é do presidente”.

As alterações também devem respingar no Ministério da Economia, até então responsável pelas pastas do Trabalho e da Previdência. A recriação desses dois postos vai desidratar o ministério de Guedes, que foi avisado pelo seu chefe sobre esse risco. Guedes já chegou a ameaçar pular fora do barco caso seu ministério sofresse mudanças, mas, hoje, parece acomodado com a ideia de que a troca é necessária para possibilitar a reeleição do capitão em 2022. Atualmente, as pesquisas de intenção de voto apontam que Bolsonaro seria derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno. Na quarta-feira, o presidente pediu para Guedes cuidar da elaboração da minuta da MP para recriar o ministério, que será formado a partir da estrutura da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, comandada por Bruno Bianco. O Planalto vai alegar que a nova estrutura não terá custos adicionais e anunciará em breve um programa de incentivo ao emprego cujo objetivo será incluir dois milhões de jovens no mercado formal de trabalho.

Balcão de negócios

Durante a entrevista para uma rádio, Bolsonaro afirmou que estudava realizar as trocas porque “uma turma aí” vem pedindo para ocupar os ministérios para “fazer negócio”. O capitão citou um episódio envolvendo um hospital de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, como exemplo. “Chegou para mim a notícia ‘ó, hospital do câncer de Presidente Prudente tem que ser certificado e está há anos o processo parado lá na Saúde’. Liguei para o ministro Queiroga, ele retornou: ‘presidente, está tudo pronto’. Então publica no Diário Oficial de amanhã. E assim foi feito. Você sabe o que isso custava no passado? Tinha negócio. Ou você acha que uma turma aí quer ocupar ministério para que?”, disse. A declaração parece uma piada de mau gosto, já que o mandatário está consolidando uma aliança com o grupo mais fisiológico da política. Ao longo do tempo, o Centrão virou sinônimo de velhas práticas tão criticadas pelo próprio Bolsonaro antes de ele chegar à presidência. Durante a campanha de 2018, ele prometeu que, se eleito fosse, enxugaria as estruturas e governaria com, no máximo, 15 ministérios. Quando tomou posse, em 2019, recebeu de Michel Temer um governo com 29 pastas. Decidiu reduzir esse número para 22, número atual. Bolsonaro está distante de cumprir sua promessa de campanha. E não apenas essa. Em favor da conveniência política, o capitão entregou o coração de seu governo ao grupo que ele cansou de chamar de ladrão. Os lobos tomaram conta do galinheiro.