A Segunda Guerra Mundial terminou há quase oitenta anos, mas ainda nos deparamos com fatos que trazem novas luzes sobre momentos decisivos. É o que acontece com o lançamento do livro O Último Segredo de Anne Frank, de Joop van Wijk-Voskuijl e Jeroen De Bruyn. A obra trata de detalhes inéditos sobre a vida de Anne Frank, a garota judia que passou 761 dias escondida com a família em um anexo secreto na casa dos Voskuijl, em Amsterdã, na Holanda. Após a prisão, seu diário veio à tona e se tornou um dos documentos mais emocionantes do drama enfrentados pelos judeus durante o período.

O Diário de Anne Frank, escrito quando ela tinha apenas treze anos, foi essencial para que o mundo conhecesse os horrores do Holocausto. Uma coisa era conhecer a perspectiva da guerra por meio dos relatos militares no campo de batalha. Outra coisa, muito diferente, era conhecer detalhes da crueldade com que o regime nazista tratava crianças e civis indefesos. Os Frank foram detidos em 4 de agosto de 1944, quando uma denúncia anônima alertou a polícia secreta nazista, a SS, sobre a presença de judeus escondidos numa residência na capital holandesa.

Mas quem teria sido o autor dessa denúncia? O livro de Joop Voskuijl pretende responder essa questão. Ele narra a fundo a história da família Voskuijl, que acolheu os Frank, com ênfase em duas personagens.

● A primeira é Bep, de 23 anos, mãe de Joop e amiga próxima de Anne. No famoso diário, seu nome foi alterado para Elli Vossen, para preservar a identidade dos holandeses. Segundo Joop, não foram poucas as ocasiões em que a mãe arriscou a própria vida para proteger os Frank. Chegou a comprar comida e medicamentos nos mercados negros de Amsterdã, mesmo com a presença ostensiva de soldados e espiões nazistas, que já ocupavam a Holanda.

Livro dá pistas sobre quem teria traído Anne Frank
Bep: melhor amiga de Anne Frank, arriscou a vida para comprar alimentos e medicamentos (Crédito:arquivo pessoal/família Von Wijk-Voskuijl)

●A segunda personagem é Nelly, tia de Joop. Ela surge como a provável traidora da família. Seu nome, mesmo sob pseudônimo, teria sido apagado do diário, mas há registros de sua colaboração com os nazistas. A começar por manter relacionamentos amorosos com militares, pelos quais era duramente criticada pelo pai.

Mas Nelly não era apenas uma garota inocente que se apaixonara por soldados austríacos e alemães. Primeiro, ela trabalhou como empregada doméstica na casa de uma rica família que apoiava o Partido Nazista Holandês. Depois passou a manter contato diretamente com as forças da Wehrmacht, em Amsterdã e, mais tarde, em um aeródromo da força aérea alemã, a Luftwaffe, em Laon, no norte da França. Devido à cor dos uniformes, mulheres como ela, que atuavam como telefonistas, datilógrafas e tradutoras, eram chamadas de “ratazanas cinzentas”.

Livro dá pistas sobre quem teria traído Anne Frank
Família Voskuijl: Nelly (ao fundo, de preto) trabalhava para os nazistas (Crédito:arquivo pessoal/família Von Wijk-Voskuijl)

“Uma mulher jovem”

Joop revela que toda a família via Bep como heroína, assim como desprezava Nelly. Ele cita episódios em que o pai a agredia fisicamente após confrontá-la sobre o apoio aos nazistas. Joop apresenta provas que justificam sua acusação a Nelly. Começa com os arquivos de Simon Wiesenthal, que era conhecido como “o maior caçador de nazistas”. Em seu livro Assassinos Entre Nós, ele escreve que O Diário de Anne Frank teve um impacto enorme. “Ninguém é capaz de se identificar com pilhas de cadáveres, mas com aquela menina comum de treze anos, sim. As pessoas que leram o livro pensavam que aquilo podia ter acontecido com suas filhas, suas netas, suas irmãs”, afirma o autor.

Para descobrir a traidora, a investigação de Joop vai no caminho inverso, a partir do homem que prendeu Anne Frank — o soldado austríaco Karl Silberbauer, segundo Wiesenthal.
Silberbauer apontaria Willem van Maaren, um desconfiado gerente de depósito de alimentos, como o autor do telefonema anônimo que revelou a presença dos Frank no Anexo Secreto dos Voskuijl.
Anos mais tarde, porém, Silberbauer teria caído em contradição. Afirmou que recebera o telefonema trinta minutos antes da ação policial; nesse horário, van Maaren estava em seu depósito, onde não havia aparelho telefônico.
Silberbauer, então, teria finalmente confessado que o delator tinha a voz de “uma mulher jovem”.
Ao cruzar todas as informações, Joop afirma que tudo leva a crer que Nelly, sua própria tia, teria traído a família — e revelado aos nazistas o esconderijo de Anne Frank, o que a levou à morte.