Baseado no perturbador romance de Donald Ray Pollock, o filme “O Diabo de Cada Dia”, do roteirista e diretor brasileiro Antonio Campos, traz um elenco de estrelas interpretando uma série de personagens sinistros e esquisitos. Há um pregador profano (Robert Pattinson), um casal de serial-killers (Jason Clarke e Riley Keough), um xerife desonesto (Sebastian Stan) e um jovem que quer se livrar de todos eles (Tom Holland, famoso por seu papel como Homem-Aranha). ISTOÉ conversou com Campos para descobrir o que está por trás dessa produção da Netflix que já está sendo apontada como possível candidata ao Oscar de 2021.

“O filme é focado nos fanáticos. Quem tem uma relação saudável com a religião verá isso” Antonio Campos, diretor (Crédito:Divulgação)

“Diabo de Cada Dia” é um filme intenso e violento. O que te atraiu nesse projeto?
Quis contar uma história geracional sobre um trauma que passa de pai para filho. Me apaixonei pela atmosfera noir e gótica da trama.

Você reuniu um elenco de estrelas. Como foi o processo de escolha dos atores?
Robert Pattinson foi o primeiro a ler o esboço do roteiro. Eu disse a ele: “pode escolher qualquer papel”. Ele quis fazer o padre perverso. Tom Holland já havia sido escalado para o papel do Homem-Aranha, mas o filme ainda não havia estreado. O timing foi bom e acho que o roteiro foi interessante o suficiente para atraí-los.

O filme é sobre fé, religião e pecado. O protagonista, Arvin, seria um instrumento divino para punir os personagens malignos?
Ele também é um pecador, mas há algo de bom nele, ao contrário dos outros. Ele acaba corrigindo o mal causado nas diversas situações, promovendo um equilíbrio na comunidade.

A complexa relação entre os personagens vai se revelando aos poucos. Foi difícil contar uma história com tantas reviravoltas?
Sim, foi um grande desafio. Me senti como se estivesse resolvendo um verdadeiro quebra-cabeças e compartilhando essa experiência com o público.

A violência que você mostra é diferente do que vemos no Brasil. Esse filme só poderia se passar nos EUA, onde grande parte da população anda armada?
Acho que esse é um filme americano sobre uma região específica, onde a fé e a violência estão conectadas. Mas acho que seria possível encontrar uma maneira de traduzir essa história para outros países e culturas.

Vivemos em um mundo polarizado e sensível, onde a opinião das redes sociais conta muito. Você teme as críticas de grupos religiosos?
Não. Quem assistir ao filme verá que ele mostra diversos lados da experiência religiosa, mas é focado no comportamento dos fanáticos. Não tento negar ou provar a existência de Deus, eu estava mais interessado em mostrar o perigo do fanatismo. Quem tem uma relação saudável com a religião verá isso.

O autor da história, o escritor Donald Ray Pollock, é o narrador do filme. Por que você optou por convidá-lo?
Eu sabia que a única pessoa capaz de fazer justiça à voz do narrador seria Donald. Ele é de Ohio, ainda mora naquela região, então achei que sua familiaridade com os personagens acrescentaria autenticidade ao filme.

PASTOR PERVERSO Robert Pattinson: ator poderia ter escolhido qualquer papel (Crédito:Divulgação)

Qual foi sua orientação para a atuação de Tom Holland no papel de Arvin?
Ele parece sempre no limite, alguém que vai explodir a qualquer momento.Tom atua de forma contida, como uma panela no fogão com uma tampa em cima. Está confuso, cheio de emoção. Há muita tensão, frustração e raiva em sua vida, mas ele vem de um mundo onde os homens não costumam expressar suas emoções . E então o personagem explode e revela o que está sob a superfície.

Vocé costuma mostrar seus filmes em festivais. Qual é a diferença em lancar diretamente no streaming?
É algo novo para mim. Já tive filmes exibidos na Netflix, dirigi séries como “The Sinner” e sei o alcance da plataforma. Mas nesse caso nem cheguei a pensar nisso, me preocupei apenas em contar uma boa história. Fomos prejudicados em relação aos festivais, eu teria participado se não fosse pela pandemia.

O filme tem algumas cenas de violência explícita. Você acha que isso pode assustar o grande público?
Acho que não, porque ela está ligada emocionalmente à construção da história. E o narrador já avisa logo no início do filme: essa será uma história chocante.