A ida de Marina Silva à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) incluiu a participação da ministra em uma mesa de discussões com os escritores Itamar Vieira Júnior e Ana Rüsche, mediada pela jornalista Raquel Cozer, dentro das atividades da Caixa de Histórias. O espaço foi organizado pelo canal Amado Mundo no Centro Histórico de Paraty.
O debate com Marina e os dois renomados escritores, em 2 de agosto, fez pensar como a literatura é uma aliada poderosa para tirar a sociedade da apatia diante da emergência climática. As obras de Vieira Júnior e Rüsche são atravessadas pela relação dos humanos com a natureza.
“A literatura, o cinema, eles levam para esse terreno do impensável, do indizível. Aquilo que a gente não pode dizer, não pode transformar em palavras no nosso código rígido das coisas. Eles quebram esse código. E depois que quebra, a gente segue junto”, disse Marina Silva.
“O negacionismo [da crise climática] tem muitas facetas”, disse Marina, para quem há negacionistas “inconscientes” e os “conscientes”. Sobre os conscientes, a ministra descreveu: “ele sabe que o que a ciência está dizendo é verdade, mas tira um proveito imediato. Porque ele quer destruir os recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas”.
No dia do debate, quando ainda não haviam sido publicados os vetos de Lula à Lei de Licenciamento Ambiental, a ministra do Meio Ambiente afirmou que lhe causa perplexidade o “alheamento” das autoridades em relação ao tema.
O alheamento que incomoda Marina Silva não atinge apenas a política. Para a escritora Ana Rüsche, uma forma dolorida de negacionismo é a apatia das pessoas diante da emergência climática, originada na sensação de que nada podemos fazer diante da crise. “Então, nós conseguimos entender, mas, ao mesmo tempo, a gente finge que está tudo bem. E esse tipo de apatia me parece muito perigoso”, lamentou.
Ana Rüsche também afirmou que a literatura pode ajudar a compreender melhor a dimensão da crise e fazer pensar em soluções. Ela citou a escritora Gisele Mirabai ao lembrar que é importante comover a sociedade para tirá-la da apatia. Para a escritora, diante do “negacionismo que nos habita”, é difícil pensar em uma narrativa esperançosa, mas o caminho é discutir sempre o tema.
“É algo que a humanidade nunca viu antes. É algo inédito; então, como é inédito, nós também não conseguimos nem imaginar saídas. É por isso também que a gente fica: ‘não estou vendo, não quero falar disso’. Mas isso cada vez fica mais premente”, avaliou.
Autor de “Salvar o fogo” e “Torto arado”, Itamar Vieira Júnior concordou que a literatura é mesmo um instrumento de conscientização: “Não há maneira melhor de conscientizar o homem, as mulheres, as pessoas. De apresentar histórias de homens, mulheres e pessoas. De seres humanos semelhantes que se confrontam com as adversidades da história, da vida”.
“Mas um livro é um objeto. Essa história só vai viver uma outra vez quando encontrar o corpo de quem lê, do leitor. E aí é tanto engajamento que você não sai indiferente de uma leitura”, afirmou.
O autor contou que foi a primeira pessoa de sua família a nascer no ambiente urbano, mas que, como funcionário do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), pôde conhecer pelo país o que se contava para ele dentro de casa sobre a importância da terra.
“Não existe vida sem terra. Esse é um direito elementar de todo ser vivo. Eu nem digo de todo ser humano, porque é dos seres vivos. Das árvores, dos animais, dos seres humanos também. Nós somos animais. Esse é um direito elementar, vital. Ninguém vive sem isso. E a terra parece que é motivo de disputa sempre. Porque esse projeto colonial foi imposto ao nosso continente, ao continente africano, ao continente asiático”, disse o escritor.