No rol de personalidades notáveis negras que a Fundação Cultural Palmares destaca em seu site estão nomes que vão de Zumbi e Dandara a Conceição Evaristo, Elza Soares e Gilberto Gil, passando por Martin Luther King e Malcom X. Em dezembro, essa lista vai mudar. Sérgio Camargo, presidente da fundação, publicou nesta quarta-feira, 11, no Diário Oficial uma portaria que estabelece os critérios para a escolha desses homenageados.

A partir de agora, apenas pessoas que já morreram terão a chance de se tornar notáveis. Assim, muitas personalidades que se destacam em suas áreas e que são, no momento, críticas ao governo terão seus nomes e suas biografias apagados.

Não será a primeira vez que isso vai acontecer. Recentemente, Camargo excluiu Marina Silva da lista. Na época, ele disse que a ambientalista e ex-senadora “não tem contribuição relevante para a população negra do Brasil”.

Os novos nomes ainda serão definidos, mas, em seu perfil no Twitter, o presidente da Fundação Palmares adiantou quatro: Mussum, Wilson Simonal, Luiz Melodia e João do Pulo. Ele disse que o “Brasil finalmente vai ter orgulho da galeria da Fundação Palmares” e, em outro post, que os que estão vivos serão excluídos automaticamente.

Segundo a portaria, serão observados na seleção: “relevante contribuição histórica no âmbito de sua área de conhecimento ou atuação”; “os princípios defendidos pelo Estado brasileiro” e “outros critérios que poderão ser avaliados, de forma motivada, no momento da indicação”. No Twitter, ele também falou em “mérito” e “nobreza de caráter”. A Fundação Palmares não respondeu ao pedido do Estadão para detalhar esses critérios.

Uma comissão técnica vai julgar isso. Casos omissos serão decididos por Sérgio Camargo, que vem despertando polêmicas desde antes de sua nomeação – ele já disse que a escravidão foi “benéfica para os descendentes”, que o Brasil tem um “racismo Nutella” e chamou o movimento negro de “escória maldita”.

“Sobre a Fundação Palmares, opto por relembrar a demanda do movimento negro para consolidar a instituição e os nomes que passaram pela presidência como Carlos Moura, Joel Rufino, Adão Ventura, Ubiratan Castro de Araújo, Zulu Araújo, Hilton Santos de Almeida, dentre outros. Pessoas de espírito Quilombola. No momento, me resguardo de falar de uma instituição que está sendo destruída”, disse Conceição Evaristo, um dos principais nomes da literatura contemporânea e que estava, até hoje, entre as personalidades notáveis da Palmares.

Já a escritora Cidinha da Silva comentou: “Trata-se de uma medida autocrática, compatível com o perfil desse dirigente e do mandatário a quem ele serve. Da mesma forma que o chefe, esse senhor vive da produção de factoides que o coloquem sob holofotes e a gente repercute, só assim ele consegue existir”.

Itan Cruz, da Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros, explica que a análise do grupo sobre personagens e processos históricos parte de um outro ponto de vista – “que perpassa a consideração do racismo enquanto um problema estrutural e estruturante das relações sociais no Brasil e todas as suas consequências”. Quanto à nova polêmica, disse: “Vemos com pouco proveito alimentar um debate orientado para discutir o racismo como problema gerado ou vocalizado por indivíduos específicos, sobretudo negros”.

A Ubuntu – Frente Negra de Ciência Política da UnB questiona o fato de uma comissão, eleita pelo presidente da Palmares, ser responsável por essa escolha. “Tais ações da Fundação Palmares fazem parte de um projeto político de apagamento da memória da população negra, que será contínuo enquanto não houver interlocução com a sociedade”, disse o grupo.

“Creio que todas as homenagens a pessoas pretas que construíram este país merecem ser benéficas. Vivos ou mortos, mas vivos em nossa memória. O que tem que ser revisto são as estátuas dos genocidas que invadiram o nosso país e preenchem grande parte do território de nossas áreas públicas e privadas”, comentou o artista Lumumba Afroindígena, responsável por uma estátua dedicada a Joaquim Pinto de Oliveira (1721-1811), o ex-escravizado e arquiteto conhecido como Tebas, que será inaugurada na Praça Clóvis Bevilacqua dia 20.

“Quando contamos a nossa história, seja por meio de um protagonismo ou como narradores, isso incomoda o que está vigente. Criamos um contraponto e o resultado é sempre uma reação contrária disso. É o que temos hoje. Uma guerra sendo travada. Acho que nós, negros e artistas, temos que ir em busca de nossa segunda abolição e construirmos a nossa alforria, pois a primeira foi mal acabada”, finalizou.

A cantora e deputada estadual pelo PCdoB Leci Brandão, que também terá seu nome apagado do site, disse: “É lamentável que a Fundação Palmares, instituição que foi criada após muitas lutas do movimento negro e sua militância, esteja hoje sob a direção de pessoas irrelevantes que, em vez de fazer um trabalho que tenha impactos reais e positivos para a população negra, só conseguem criar polêmicas desnecessárias”.