Na última quinta-feira, enquanto Jair Bolsonaro dava cambalhotas no picadeiro da sua “live especial”, requentando mentiras e reconhecendo que não há prova de fraude nas urnas eletrônicas, escrevi que a entrega da Casa Civil ao centrão não significava que o presidente havia escolhido a política, mesmo que numa versão mambembe, em detrimento do golpismo.

Bingo.

Neste domingo, Bolsonaro fez mais do que assistir às manifestações, que aconteceram em algumas capitais, em favor do voto impresso. Ele gravou um vídeo para ser exibido aos apoiadores, repetindo que “não haverá eleição” se a apuração não for do jeito que ele quer – ou seja sujeita a interferências externas nos locais de contagem dos votos em cédulas de papel.

Pois bem: a partir de agora Ciro Nogueira, Arthur Lira, Ricardo Barros e todos os poderosos chefões do centrão que apoiam ativamente Bolsonaro passam a ser seus cúmplices no esforço de melar o jogo democrático. Pois ele insuflou o seu exército de apoiadores DEPOIS de o centrão espalhar a história de que Bolsonaro prometia moderação daqui em diante.

A partir de agora, cada dia que Ciro Nogueira trabalhar para cooptar parlamentares em favor do governo, será um dia a mais que ele dará a Bolsonaro para conspirar contra a democracia usando recursos públicos.

Cada dia que Arthur Lira ficar sentado sobre a pilha de pedidos de impeachment depositados na Câmara, será um dia concedido a Bolsonaro para que ele arquitete maneiras de não deixar a presidência caso perca as eleições no ano que vem – ou, pior ainda, maneiras de cancelar as eleições.

Desde ontem, o centrão já não pode mais vender a ilusão de que vai domesticar Bolsonaro.

Seus líderes já não são somente aquele pessoal que deseja se locupletar ao máximo num governo desastroso na saúde, destrutivo na cultura e no meio ambiente, incompetente na economia, pífio na segurança. Eles podem entrar para a história como cúmplices num projeto de golpe.

Eu sei que Lira constrangeu o ministro-general Braga Netto e o próprio Bolsonaro fazendo vazar a informação que não deviam contar com ele para uma aventura. O importante são os atos: ao permitir que Bolsonaro tenha tempo para agir como fez ontem, ele está dando sua contribuição a quem tira o país do rumo.

Mau perdedor – Eu prometi não gastar mais tempo rebatendo os argumentos sobre voto impresso do pilantra perigoso que ocupa a Presidência. Se o leitor tiver interesse, pode consultar textos anteriores. Observo apenas que, neste domingo, Bolsonaro subiu mais um pouco o tom dos ataques a Luís Roberto Barroso, ministro do STF e atual presidente do TSE.

“Não podemos admitir que seja válida apenas a vontade dele”, disse Bolsonaro, atribuindo à influência do ministro a provável derrota do projeto do voto impresso.

De onde viria essa influência? Ao contrário de Bolsonaro, Barroso não pode prometer dinheiro ou cargos para os parlamentares. E são eles que vão decidir sobre o voto impresso, não o ministro.

Se ela vem de algum lugar, é de argumentos. Talvez Barroso tenha convertido alguns deputados e senadores às suas teses, quando foi chamado a discutir o sistema de votação no Congresso.

A verdade é que se o projeto bolsonarista não passar pela comissão que o analisa, nem pelo plenário da Câmara, será porque o presidente e seus asseclas falharam em convencer a maioria de que não desejam o voto impresso para conturbar as eleições, em vez de aprimorá-las.

Essa história de tentar transformar um antagonista em bicho-papão é calhordice de mau perdedor – de quem não foi capaz de demonstrar que as suas intenções são honestas.