Desaparelhado e sem interesse para combater as manchas de óleo que se acumulam há 50 dias no litoral nordestino, o governo federal não deixou alternativa para a população a não ser cuidar do trabalho de descontaminação com as próprias mãos. No Cabo de Santo Agostinho, litoral sul de Pernambuco, por exemplo, a limpeza das praias passou a ser feita, sem qualquer coordenação, pelos próprios moradores, algo desaconselhável por apresentar sérios riscos à saúde. Em outros pontos do litoral acontece o mesmo. O problema ocorre porque em abril deste ano o presidente Jair Bolsonaro deu fim a dois comitês que integravam o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), que deveria ficar responsável pelos esforços de despoluição. Sem um plano de ação, restou a ação de voluntários apoiados pelas prefeituras locais. Na semana passada, com grande atraso, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, destacou mais de quatro mil homens do Exército para ajudarem na limpeza.

A situação das praias exige pressa. Além das consequências ambientais imensuráveis causadas pelo óleo, cuja origem ainda não foi esclarecida, há também um forte impacto social na região, que ainda está sendo contabilizado. Muita gente precisa do mar para seu sustento. Há pescadores e comerciantes que vivem das praias, tanto para abastecer restaurantes locais como para dar conta do contingente de turistas que as visita. Um relatório preliminar da Bahia Pesca, órgão que fomenta a atividade no estado, prevê problemas sociais graves nas comunidades de pescadores. “A mariscagem será diretamente afetada nesses locais, visto que, com a presença de óleo, a recomendação é evitar a pesca e a comércio desses organismos”, informa. A Secretaria de Turismo da Bahia informou que “a exposição deste desastre não é boa para nenhum estado do Nordeste” e que já recolheu mais de 230 toneladas do produto nas praias. No total, o governo contabiliza mais de mil toneladas removidas. Teme-se que a região perca muitos visitantes no próximo verão.

Poucas respostas

Ainda não há explicações para o acúmulo de sujeira nas praias. O Ministério Público Federal notificou o governo federal para que o PNC fosse colocado em ação imediatamente. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ativou o plano apenas em 11 de outubro, mais de 40 dias após o primeiro registro de mancha. Na terça 22, Salles visitou a região afetada. “É o momento de trabalhar, recolher o óleo e dar o destino necessário. Lá na frente iremos aprofundar as causas desse acidente”, disse. Ele estava acompanhado de membros do Exército, que se tornou uma espécie de “pau para toda obra” que o governo emprega em situações de emergência.

A chegada das forças militares para cuidar da limpeza gerou estranheza. Em algumas praias, os soldados tentaram impedir que os cidadãos participassem da descontaminação, talvez como uma medida protocolar apenas, mas que deixou a impressão de que “queriam aparecer”. Na noite do dia 23, Salles se contradisse quanto à intenção de descobrir as causas do acidente. Ele afirmou que fez uma solicitação formal para a Organização dos Estados Americanos (OEA) para que a Venezuela se “manifeste oficialmente” sobre o ocorrido. A estatal PDVSA já negou envolvimento com o desastre. Parece que a preocupação é encontrar culpados e não dar soluções. E, enquanto isso, quem suja as mãos é o povo nordestino.


O pecado ecológico

Deus criou o mundo e deixou os seres humanos com a responsabilidade de protegê-lo

Vincenzo Pinto / AFP

O Sínodo da Amazônia, encontro de bispos que acontece no Vaticano para discutir a situação ambiental, social e a ação da Igreja na região da floresta, deve formular uma questão preocupante para os católicos que destroem a natureza: o pecado ecológico. O tema ganhou força nos debates internos e está relacionado com a teologia da criação, em especial com a ideia de que Deus criou o mundo e deixou os seres humanos com a responsabilidade de protegê-lo. Um relatório divulgado pelo Sínodo afirma que “foi prenunciada uma conversão ecológica que faça perceber a gravidade do pecado contra o meio ambiente como um pecado contra Deus, contra o próximo e as futuras gerações”. O documento final do encontro dos bispos foi apresentado para votação sexta-feira 25.

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