O presidente Luiz Inácio Lula da Siva recebe, nesta terça-feira (30), em Brasília, seus contrapartes sul-americanos para um “retiro” com vistas a recompor o diálogo e a integração regional, paralisada após quase uma década de desavenças.

Desde que voltou ao poder em janeiro, Lula tem tentado recuperar o protagonismo do Brasil no cenário internacional e agora pretende relançar a cooperação na América do Sul através de uma nova versão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), da qual restam apenas sete dos 12 membros fundadores.

Onze presidentes vão se reunir a portas fechadas no Palácio do Itamaraty, sede do ministério das Relações Exteriores, no que Lula definiu como um “retiro” para dialogar de forma relaxada e franca. O Peru será representado por seu chefe de gabinete, Alberto Otárola.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, o uruguaio Luis Lacalle Pou e o paraguaio Abdo Benítez foram os primeiros a chegar ao Itamaraty, pouco depois das 9h00.

O equatoriano Guillermo Lasso também apareceu cedo, embora tenha evitado subir as escadas como os demais, depois de passar por uma cirurgia de próstata na semana passada.

Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández; do Chile, Gabriel Boric; da Colômbia, Gustavo Petro e o boliviano, Luis Arce, também viajaram à Brasília para participar do encontro.

Os líderes terão duas sessões: a primeira com pronunciamentos individuais e depois um debate informal, seguido de um jantar no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.

Maduro, que chegou a Brasília no domingo, foi recebido com honras por Lula na segunda-feira. Juntos, os dois anunciaram o início de um “novo tempo” nas relações bilaterais.

Sem agenda pré-estabelecida, espera-se que os governantes dialoguem sobre um novo mecanismo regional de integração. Os governos ainda não anunciaram se haverá uma declaração final com uma posição comum.

“A ideia central é que precisamos formar um bloco para trabalhar juntos”, pois “temos mais ou menos os mesmos problemas”, disse Lula na segunda-feira, durante coletiva de imprensa conjunta com Maduro.

O brasileiro afirmou, ainda, que os líderes sul-americanos também vão abordar sua cooperação nas áreas de energia e luta contra o crime transnacional.

“Embora seja pouco provável que surjam visões inovadoras sobre o futuro da América do Sul ou anúncios para promover a integração regional, até mesmo um diálogo básico entre os chefes de Estado é um progresso genuíno”, escreveu Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), ns Americas Quarterly.

– “O retorno de Maduro” –

O presidente venezuelano visita o Brasil pela primeira vez em oito anos, após ter sido barrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), em meio à política de isolamento internacional liderada por Washington, devido ao questionamento da legitimidade da reeleição de Maduro em 2018.

A aplicação de sanções a Caracas e as denúncias contínuas de violações dos direitos humanos também corroem as relações da Venezuela com seus vizinhos.

“É o começo da volta do Maduro” ao plano regional e o encontro com os outros líderes será “a volta da integração da América do Sul”, disse Lula, que definiu o momento como “histórico”.

Maduro disse que levará à reunião seu pedido de que se “solicite ao governo dos Estados Unidos a suspensão de todas as sanções contra a Venezuela”.

– Integração “diferente” –

Um encontro entre os líderes sul-americanos não ocorria desde a cúpula da Unasul, celebrada em 2014, em Quito.

Criada em 2008 por Lula (2003-2010) e pelo então presidente venezuelano, Hugo Chávez, para contrabalançar a influência americana na região, a União das Nações Sul-americanas foi criticada durante anos por alguns por ter um viés esquerdista.

E após as vitórias conservadoras nas eleições regionais, instabilidades políticas internas e divergências entre países pela crise venezuelana, o bloco ficou praticamente paralisado, sem orçamento, nem sede.

Atualmente, só permanecem na Unasul Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela e Peru – que nunca deixaram o bloco -, além de Brasil e Argentina, que voltaram este ano.

Um novo mecanismo de integração “pode funcionar (de forma) diferente”, disse Lula.

Mas, sem discussões técnicas prévias, o encontro será “meramente simbólico”, afirma Eduardo Mello, professor adjunto e coordenador da Graduação em Relações Internacionais da FGV.

“Há problemas estruturais, a região passa por crises políticas e econômicas há mais de uma década e os principais projetos de desenvolvimento econômico sul-americanos fracassaram”, disse à AFP.

“São fatores estruturais que não se resolvem com vontade, conversando”.

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