"Este é o momento da Europa e devemos estar à altura dele", disse Ursula von der Leyen ao revelar seu plano de 800 bilhões de euros para "rearmar a Europa". As propostas dominarão a cúpula emergencial da União EuropeiaA cúpula da União Europeia (UE) realizada em Bruxelas nesta quinta-feira (05/03) é apenas a mais recente reunião de emergência dos chefes de Estado e de governo da União Europeia (UE), após areunião de domingo em Londres, organizada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e algumas outras anteriores convocadas pelo presidente francês, Emmanuel Macron.
Com o apoio militar e financeiro dos Estados Unidos para a Ucrânia suspenso e seu compromisso com a segurança europeia como uma incógnita, a UE não tem outra opção a não ser se empenhar para melhorar a autossuficiência em segurança.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quis enfatizar que as coisas realmente estão piores do que nunca, escrevendo em uma carta aos líderes da UE que o continente "enfrenta um perigo claro e presente em uma escala que nenhum de nós viu em nossa vida adulta. O futuro de uma Ucrânia livre e soberana – de uma Europa segura e próspera – está em jogo".
Mais dinheiro para gastos militares
Ela espera que o plano ReArm Europe (rearmar a Europa) elimine algumas das desculpas econômicas para os baixos orçamentos de defesa que os governos usaram no passado. Uma das maneiras pelas quais o plano pretende fazer isso é permitir que os governos infrinjam as regras que regem a relação máxima entre dívida e PIB quando se trata de gastos com defesa. Von der Leyen sugere que, se cada país membro gastasse 1,5% a mais, isso equivaleria a quase 650 bilhões de euros (R$ 4 trilhões) a mais para investimentos militares nos próximos quatro anos.
O ReArm Europe também criaria um novo mecanismo para fornecer 150 bilhões de euros (R$ 928 bilhões) para empréstimos garantidos pelo orçamento comum da UE, um conceito que tem sido controverso entre alguns países. Esse dinheiro, segundo um funcionário da UE, poderia ser utilizado por dois ou três Estados membros trabalhando juntos, ou dois mais a Ucrânia. O objetivo é fazer compras conjuntas de equipamentos e recursos de grande escala, como defesa aérea e antimísseis, drones e preparação cibernética, especialmente em áreas em que a Europa atualmente depende dos EUA.
Uma autoridade da UE, falando na quarta-feira sob condição de anonimato, disse que o resultado desejado da cúpula é que os líderes "indiquem que essas propostas devem avançar muito rapidamente" para permitir que a UE crie sua própria defesa.
Hungria e Eslováquia travariam planos?
A Hungria e a Eslováquia sinalizaram sua tradicional oposição a qualquer movimento para ajudar a Ucrânia, com o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, até mesmo divulgando uma carta nesse sentido.
Mas há espaço para uma interpretação otimista nessa carta de que Fico não bloqueará as ações da UE que não obriguem a Eslováquia a contribuir. E o principal objetivo do plano é que os países tenham acesso a financiamento para ampliar sua própria defesa em primeiro lugar.
Giuseppe Spatafora, analista de pesquisa do Instituto de Estudos de Segurança da UE, acredita que o plano de Ursula von der Leyen conseguirá obter aprovação unânime, mesmo que não imediatamente na cúpula, porque os riscos finalmente se tornaram altos demais. Ele acaba de lançar um estudo sobre como o abandono da Europa pelos EUA poderia se desenrolar.
Spatafora diz que o fato de o pacote conter uma série de opções – empréstimos maiores, gastos com compras conjuntas, transferência de dinheiro dos fundos de coesão para gastos com defesa – "é uma forma de maximizar o consenso".
Ele também interpreta a menção relativamente esparsa da Ucrânia no plano como proposital, "para evitar vetos por parte de alguns Estados membros".
Mesmo com os países que não se sentem confortáveis com o fato de a UE desempenhar um papel mais importante em algo que geralmente é deixado para os governos nacionais ou para a Otan, "é preciso começar com dinheiro", ressalta Spatafora. "E o papel da UE será muito bem-vindo se ela fornecer recursos adicionais, principalmente dinheiro."
Mudança na Suécia, luz verde na Alemanha
A Suécia tem estado entre os países relutantes em aceitar um papel maior da UE e o financiamento comum da defesa.
Mas Calle Hakansson, pesquisador da Agência Sueca de Pesquisa em Defesa, diz que houve uma "mudança de tom e urgência nos últimos dias" após a deterioração das relações entre os presidentes Donald Trump e Volodimir Zelenski na sexta-feira, e o subsequente corte da ajuda dos EUA à Ucrânia.
Agora, disse Hakansson, o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, disse ao seu Parlamento que apoia o pacote ReArm Europe na íntegra, depois que outros países que anteriormente tinham reservas, como Finlândia, Dinamarca e Alemanha, mudaram suas posições.
"A Suécia não queria ser a última a ficar de pé", disse Hakansson. "Esse pacote está sendo desenvolvido há algum tempo, mas acho que a ambição provavelmente aumentou nas últimas semanas. Há um tipo real de urgência e um sentimento real de que a Europa pode ser deixada sozinha."
Falando em mudança de posição, apenas algumas horas depois de Ursula von der Leyen ter revelado seu pacote de propostas, os prováveis próximos parceiros em um novo governo alemão provavelmente liderado por Friedrich Merz anunciaram que, uma vez no cargo, pretendem afrouxar o freio da dívida da Alemanha para permitir maiores gastos com defesa. Merz promete 500 bilhões de euros (R$ 3,1 trilhões) a mais para a defesa, além de 500 bilhões de euros a mais para a infraestrutura.
Jeremy Cliffe, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, chamou de "alucinante" tanto a mudança na Alemanha quanto o "enorme poder de fogo fiscal" que ela desencadeará.
Abrindo um "novo livro"
Ao sair da reunião realizada no Reino Unido, em Londres, no domingo, Ursula von der Leyen disse que queria oferecer tanta ajuda à Ucrânia para que o país possa se tornar um "porco-espinho de aço" capaz de resistir a ataques externos.
Se os países da UE maximizarem as novas ferramentas que ela está oferecendo para melhorar suas próprias capacidades, o próprio bloco aumentará uma importante camada de autodefesa.
"Será que isso é suficiente para o futuro? Provavelmente não", disse um diplomata da UE, falando sob condição de anonimato. Eles receberam bem o pacote e desencorajaram as críticas às primeiras somas de dinheiro. "Como um primeiro passo, acho que é realmente impressionante."
O funcionário da UE foi ainda mais enfático sobre a importância do ReArm Europe.
"Esta é uma virada de página", disse ele. "Mas acho que agora estamos começando um novo livro, que se chama 'Europa da defesa'".