Enquanto pastores tocam a agenda do ministro da Educação, Milton Ribeiro, e buscam intermediar as verbas da pasta, como revelou o Estadão, as lideranças do Centrão dominam o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão que concentra o dinheiro do ministério tornou-se um feudo do Progressistas e passou a priorizar redutos de duas lideranças do partido, o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI).

A engrenagem do maior fundo controlado pelo MEC é movida por Marcelo Ponte, que era chefe de gabinete de Ciro no Senado antes de assumir o cargo de presidente do órgão. Ele faz reuniões com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que atuam na intermediação entre o ministério e prefeituras do Progressistas, numa espécie de gabinete paralelo.

No manejo do dinheiro da Educação, Lira e Nogueira têm passado por cima de acordos com parlamentares do bloco sobre a divisão de recursos do orçamento secreto que turbinou as verbas do fundo.

Em dezembro do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) desbloqueou o uso do orçamento secreto, Alagoas, reduto do presidente da Câmara, e Piauí, do chefe da Casa Civil, ocuparam a primeira e a quarta posições, respectivamente, na distribuição desse tipo de verba gerido pelo FNDE. São Paulo e Paraná ficaram em segundo e terceiro lugares, sendo que os municípios paulistas têm 11,9 milhões de estudantes na rede pública e os paranaenses, 1,5 milhão. Em Alagoas são apenas 485 mil e no Piauí, 506 mil.

Numa possível comparação, Alagoas ficou em 25º lugar na lista de beneficiados dos recursos diversos do fundo e emendas parlamentares nos 18 primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro – atrás apenas de Acre e Espírito Santo. Nessa época, o ministro não chefiava a Casa Civil e não havia ainda distribuição do dinheiro do orçamento secreto.

Por sua vez, o Piauí, Estado onde Ciro pretende eleger como vice-governadora, em outubro, a ex-mulher e deputada Iracema Portela, também registrou uma alavancada na distribuição do dinheiro para escolas. Atualmente, o Estado ocupa a 4ª posição em volume de verbas do orçamento secreto do FNDE. No período anterior à chegada do ministro ao governo, estava em 14º no recebimento de outros recursos.

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DRIBLES. A destinação de emendas parlamentares em dezembro passado foi motivo de briga entre aliados governistas. Havia um acordo de empenho de R$ 600 milhões no fim do ano. Sem conseguir sinal verde para a liberação dos recursos, parlamentares do Republicanos, outro partido que forma o Centrão, reclamaram. O deputado Hugo Motta (PB) chegou a sugerir a demissão da ministra da Secretaria de Governo da Presidência, Flávia Arruda. O enrosco tinha a ver com verbas do MEC, segundo fontes ouvidas pelo Estadão. O princípio de incêndio na base aliada foi contido com novas promessas de liberação de recursos.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já declarou que prefere fazer o contato direto com os prefeitos, sem a intermediação de deputados ou senadores. “Sem política, sem discurso de parlamentar nenhum. Respeito os parlamentares, mas é técnica”, afirmou. Ele, entretanto, não fez referências ao controle de Lira e Ciro Nogueira sobre recursos do FNDE, que são repassados em boa parte às prefeituras do Progressistas.

Uma das principais formas de repassar recursos do fundo é por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR), concebido há 15 anos para dar assistência técnica e financeira para o melhor planejamento da política de educação dos municípios. Os recursos do programa vêm tanto do orçamento do órgão como de emendas parlamentares e podem ser transferidos diretamente para municípios.

RECUO. É exatamente o que fez o FNDE para irrigar o reduto de Lira. Em dezembro, o Supremo, que havia proibido a utilização de verbas do orçamento secreto, voltou atrás e liberou a execução, diante da aprovação, pelo Congresso, de uma resolução que prometia algum nível mínimo de transparência dali por diante.

O frágil modelo de transparência seletiva criado, também em dezembro, pelo Congresso, no entanto, permitiu uma manobra que levou ao empenho de R$ 60 milhões em verbas do fundo para Alagoas sem que esse dado fosse divulgado junto com as demais solicitações de parlamentares no site da Comissão Mista Orçamentária. O valor, destinado a 40 cidades que formam o reduto de Lira no Estado, é mais do que o dobro do segundo a receber mais empenhos em dezembro de 2020, São Paulo, com R$ 26 milhões.

O Piauí de Ciro foi o quarto com mais empenhos naquele mês: R$ 20,5 milhões. Na transparência do site do Congresso, porém, só foram listados pedidos de R$ 6,34 milhões para o Estado. No caso de Alagoas, só apareceu uma única solicitação de R$ 300 mil de um deputado, apesar das dezenas de milhões empenhados no mês de dezembro. R$ 55 milhões foram empenhados num intervalo de oito dias logo após a ministra Rosa Weber, do STF, recuar.

Dois dos empenhos viraram pagamentos para prefeituras comandadas por correligionários de Arthur Lira. O município de Canapi, no sertão alagoano, do prefeito Vinícius Filho de Zé Hermes (Progressistas), recebeu R$ 5,8 milhões no dia 7 de março. Até o pai de Arthur Lira vai receber recursos. Benedito de Lira, ex-senador, comanda o município de Barra de São Miguel, que já teve o empenho, mas ainda não o pagamento, de R$ 1.231.162,55. Todos esses valores fazem parte do projeto Educação Conectada.

FEUDO. Além do PP, o FNDE tem no seu quadro de dirigentes nomes ligados a parlamentares do PL e do Republicanos. Próximo ao deputado Wellington Roberto (PL-PB), Garigham Amarante é o diretor de Ações Educacionais.

Outro feudo do Centrão no FNDE é a diretoria de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais, chefiada por Gabriel Villar. Ele é sustentado no cargo pelo Republicanos, presidido pelo deputado e pastor Marcos Pereira (SP), que também indicou, por meio do deputado Silas Câmara (AM), o diretor de Gestão de Fundos e Benefícios, Gustavo Lopes de Souza.

Eles, principalmente Gabriel Villar, participam de reuniões com prefeitos e parlamentares em que o tema é liberação de verbas. Um dos políticos que exercem influência sobre o quadro do FNDE é o presidente do partido no Distrito Federal, Wanderley Tavares, famoso entre parlamentares por conseguir liberar recursos para prefeituras da legenda. Tavares foi denunciado por suposto envolvimento em esquema de corrupção na prefeitura do Rio, durante a gestão do bispo Marcelo Crivella.

O Estadão procurou as assessorias de Ciro Nogueira, Arthur Lira, Wanderley Tavares, além do Ministério da Educação e do FNDE, mas não houve resposta até a conclusão desta edição. Questionado sobre as audiências no FNDE, o pastor Arilton Moura disse que se encontrou com o presidente do órgão para oferecer açaí.


As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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