Com o final de inverno atípico vivido no Brasil, temperaturas acima dos 30 graus, como no último final de semana, mar em boas condições para banho e céu limpo, veio à tona um traço de desprezo e irresponsabilidade que parte da sociedade brasileira apresenta em meio à pandemia do novo coronavírus. Foram registradas imensas aglomerações nos litorais de São Paulo e Rio de Janeiro, as quais a polícia tentou evitar sem sucesso. É algo inacreditável porque os dados de letalidade da doença são inequívocos. No País, mais de 124 mil pessoas morreram e quatro milhões foram contaminadas. As informações sérias, calcadas em parâmetros científicos, que chegam às pessoas pelos meios de comunicação desde março, não foram capazes de conter o ímpeto festivo de alguns que insistem em desrespeitar o distanciamento social e optam por se aglomerar em praias, sítios e bares dos grandes centros.
Praticamente todos os finais de semana, de sexta a domingo, as pessoas agem de forma negligente com a sua própria vida e com a dos outros. O sentido de respeito pelo coletivo desapareceu. Isso impõe que os governos municipais e estaduais refaçam seu planejamento de enfrentamento à Covid-19, levando em consideração o comportamento irresponsável da população. O simples fato de sair para uma balada ou passar o final de semana na praia, num momento em que é aconselhável ficar em casa, virou uma manifestação egoísta e destrutiva. O desrespeito aos protocolos de segurança sanitária e às leis que foram cunhadas para esse momento são demonstrações de selvageria.
Para o infectologista Amaury Lelis Dal Fabbro, professor de Medicina da USP de Ribeirão Preto, a situação é grave e falta à população disciplina e percepção de que a doença é séria. “Se os casos aumentarem, consequentemente as mortes vão crescer”, afirma. O serviço de monitoramento em São Paulo registrou o mais baixo nível de comprometimento com o distanciamento social, 43%, no sábado, 29. Isso em pleno fim de semana, em que o cumprimento da quarentena deveria ser respeitado. O médico explica que as mais de 200 mil pessoas que lotaram as praias da Baixada Santista podem estar levando o vírus para casa. “Não se pode relaxar nesse momento. Ainda estamos em quarentena”, diz. Dal Fabbro acredita que a situação é semelhante à de uma guerra. “Quem está contaminado, pode não desenvolver a doença, mas seu parente, em casa, ou o parceiro de trabalho, pode não ter a mesma sorte e morrer”, afirma.
Aumento do contágio
No Rio de Janeiro aconteceu o mesmo fenômeno. Tempo bom e calor intenso levou uma multidão às praias. Embora o banho de mar esteja liberado, ficar na areia está proibido. Na cidade, a média móvel de casos da Covid-19 saltou de 374 para 808, de 9 a 23 de agosto, o que representa uma alta de 116%. “O questionamento é como lidar com a quarentena, com o medo do futuro, devido à mudança de hábitos?” diz a psicóloga Márcia Kalil. Ela orienta seus pacientes a manterem o distanciamento social e o uso de máscaras. Mas, em termos de coletividade, ela percebe que as lideranças políticas influenciam negativamente no comportamento das pessoas. “Nesse sentido, há uma certa banalização da morte”, afirma.
No Rio de Janeiro, a média móvel de casos da Covid-19 saltou de 374 para 808. O banho de mar está liberado, mas ocupar a areia é proibido