Uma antiga máxima, atribuída tanto ao americano Thomas Jefferson (1743-1826) quanto ao irlandês John Philpot Curran (1750-1817), diz que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. A autoria pode não ter sido confirmada, mas o conteúdo se mostra cada vez mais profético conforme a tecnologia avança. Câmeras de segurança que monitoram ruas, edifícios e áreas públicas de forma ininterrupta se tornaram rotina e há tempos estimulam o debate sobre como a privacidade pode ser sacrificada em nome da busca de maior proteção. Os limites e as vantagens desse recurso ganharam um novo capítulo com um caso recente na China. Um homem, identificado apenas como Ao, acusado de crimes financeiros, achou que estaria seguro em meio às 60 mil pessoas que foram ao estádio de Nanchang assistir a um show do astro local Jacky Cheung. Mas Ao nem sequer teve teve tempo de ver o cantor subir ao palco. A tecnologia de reconhecimento facial usada pelas câmeras de segurança permitiu identificar sua presença. A polícia foi avisada e o prendeu imediatamente.

A China é um dos casos mais extremos quando o assunto é vigilância. O país tem cerca de 170 milhões de câmeras instaladas e o número chegará a 600 milhões até 2020. Embora em menor escala, o tipo de tecnologia que permite o reconhecimento facial a partir do cruzamento de algoritmos já está disponível no Brasil. Em São Paulo, o projeto City Câmeras criou uma plataforma colaborativa com dispositivos da prefeitura (cerca de dois mil já instalados) e câmeras residenciais, unidas em um sistema único, o que o Secretário Municipal de Segurança Urbana José Roberto Rodrigues de Oliveira chamou de “instrumento de prevenção e resolução de crimes”.

Prevenção

Para especialistas, a tecnologia pode ser positiva para identificar suspeitos e coibir ocorrências. “Não dá para generalizar, mas essa noção está ligada à ideia verdadeira de que onde o poder público se mostra presente, seja pela limpeza, iluminação ou segurança, as pessoas são inibidas de agir de maneira imprópria”, afirma Marcelo Batista Nery, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência, da USP. O problema começa quando o debate sobre o uso dessa tecnologia e a decisão de implementá-la não é público. “Não dá para coletar indiscriminadamente os dados das pessoas, em uma situação em que todos são tratados como suspeitos”, diz Laura Tresca, coordenadora do programa de direitos digitais da ONG Artigo 19. A julgar pelo ritmo de instalação de novos sistemas de segurança, estamos condenados à eterna vigilância.


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