O mundo do esporte está assistindo, neste momento, um atentado à liberdade de expressão. A jogadora brasileira de vôlei de praia Carol Solberg, de 33 anos, disparou, ao vivo, em entrevista ao canal SporTV um “Só para não esquecer: Fora Bolsonaro”, depois de ganhar a medalha de bronze na primeira etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia (CBVP), em Saquarema (RJ), domingo 20. Carol agiu com espontaneidade e liberdade política, mas a reação às suas palavras foram desproporcionais e violentas. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), temendo melindrar o presidente Jair Bolsonaro e perder o patrocínio do Banco do Brasil, divulgou uma nota de repúdio e repreendeu a atleta por seu ato, ameaçando tomar medidas cabíveis. Embora tenha apenas expressado sua opinião, tentaram calá-la com dureza. Nas mídias sociais, ela também foi ofendida e sofre ameaças de bolsonaristas.

“A única medida cabível à CBV é seu silêncio em respeito à liberdade de expressão” Walter Casagrande, ex-jogador e comentarista de TV (Crédito:Divulgação)

Atletas devem ter o direito de se manifestar politicamente e não deveria mais haver questionamentos neste sentido. O jogador do Palmeiras Felipe Melo não para de elogiar o presidente Jair Bolsonaro, de quem é eleitor e admirador, e, nem por isso, sofreu qualquer tipo de intimidação dos clubes, da Federação Paulista ou da CBF. Perseguir atletas por sua posição política é algo típico de ambientes repressivos. Fazia-se isso com o jogador Afonsinho, que lutou pelo passe livre, durante a Ditadura. Hoje, mundo afora, atletas fazem a diferença no debate político. Nos Estados Unidos, o jogador de basquete LeBron James se destaca como uma das principais vozes de apoio ao movimento Black Lives Matter e, como se espera numa democracia, não é reprimido pelo clube ou pelos cartolas. O hexacampeão mundial de Fórmula 1, Lewis Hamilton, também se manifesta com liberdade política e não sofre ameaças da sua escuderia, a Mercedes, ou da FIA.

DOIS PESOS O jogador Felipe Melo faz propaganda aberta pró-Bolsonaro e nunca foi repreendido pelo Palmeiras ou pela CBF (Crédito:Divulgação) (Crédito:Reprodução Twitter)

Na sua nota, em que revela uma visão arcaica, a CBV disse que o “ato praticado no domingo 20 pela atleta Carol Solberg em nada condiz com a atitude ética que os atletas devem sempre zelar”. Foi mais longe na tentativa de calar a atleta e afirmou que “tomará todas as medidas cabíveis para que fatos como esses, que denigrem a imagem do esporte, não voltem mais a ser praticados”. A confederação usou o verbo denegrir, uma expressão racista que significa “tornar negro” ou “difamar”. Seu uso é completamente inadequado porque pressupõe o negro como negativo. Para completar, a CBV considerou que a fala da atleta “manchou” a primeira etapa do CBVP.

A jogadora lamentou a ameaça de punição que sofreu por se manifestar livremente e não se arrepende do seu ato. “Não sou ativista, mas me sinto na obrigação de me posicionar e é lamentável e curioso que eu possa ser punida por exercer a minha liberdade de expressão contra este desgoverno”, disse Carol. “Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas a reação da CBV no meu caso foi bem diferente do ocorrido com o Wallace.” A jogadora se referiu à reação da CBV, em 2018, diante da manifestação política dos jogadores Wallace e Maurício Souza durante a eleição presidencial. Eles posaram para uma foto fazendo com os dedos o número 17, usado por Bolsonaro. Em vez de repreender os atletas, a CBV republicou a foto no Instagram. Depois, divulgou uma nota em que dizia acreditar na “liberdade de expressão e, por isso, não se permite controlar as redes sociais pessoais dos atletas, membros das comissões técnicas e funcionários da casa”.

Defesa da democracia

Carol é filha da craque do vôlei Isabel Salgado, que brilhou nas quadras nos anos 1980 e 1990 e sempre manifestou posições políticas firmes. Isabel é uma das idealizadoras do movimento “Esporte pela Democracia”, criado em junho por centenas de atletas para reagir contra os ataques à Constituição brasileira e ao regime democrático. O movimento divulgou um manifesto, assinado também pelo ex-jogador e comentarista de TV Walter Casagrande, pela ex-jogadora de vôlei Ana Moser e pela ex-nadadora Joana Maranhão, entre outros, no qual, sem citar Bolsonaro, pede respeito à democracia. Sobre o caso de Carol, Casagrande disse, pelo Twitter, que ela “exerceu o seu legítimo direito de se expressar politicamente” e que “a única medida cabível à CBV é seu silêncio em respeito à liberdade de expressão”. Casagrande tem razão.

ENGAJAMENTO Nos EUA, o jogador de basquete LeBron James é uma das principais vozes de apoio ao movimento Black Lives Matter (Crédito:Mike Ehrmann)