MÚSICA As amigas Ariane Xavier e Marta Nepomuceno: concerto na Sala São Paulo (Crédito:Toni Pires)

Quando a primeira morte por Covid-19 foi registrada no País em março do ano passado, as informações não eram as mesmas que possuímos hoje. A crença inicial era de que somente os idosos morriam pela nova doença misteriosa e o impacto emocional desta informação fez com que muitos deles buscassem um isolamento completo e às pressas. Compras de supermercado, feiras de rua e até as visitas de filhos e netos foram paralisadas. O susto e o medo eram enormes. Mas, dezoito meses depois, com as duas doses da vacina, uma parcela da terceira idade tenta encontrar um equilíbrio entre isolamento e uma vida social segura. Busca-se avidamente recuperar os pequenos prazeres, a atividade esportiva diária que foi cancelada, as viagens, os encontros interrompidos por um longo tempo, a alegria de viver.

“Usar máscara e passar álcool em gel já é algo a que estou acostumada. A vacina foi um alívio, uma esperança”, diz a aposentada Anizia Felisbino, que recentemente completou 70 anos. Para celebrar a data, ela ganhou da filha mais velha um pacote de quatro dias em um resort de luxo na Bahia. Imunizada com as duas doses de CoronaVac, Anizia conta que só sentiu medo no avião, no trajeto entre São Paulo e Salvador, onde usou duas máscaras. “Na ida, o avião estava cheio, fiquei bem assustada, já na volta estava mais vazio”, diz. Já no resort e nos passeios que fez na capital baiana, a máscara e a embalagem de álcool em gel estavam sempre com ela. “Eu só tirava (a máscara) quando estava na praia, nas cadeiras do resort, ou nos restaurantes”. Anizia diz que uma das coisas que a deixaram segura foi o tratamento que recebeu em sua estadia, já que a equipe toda do estabelecimento estava preparada para controlar distâncias e higienizar maciçamente o local.

Uma parcela cada vez maior de pessoas da terceira idade tenta buscar o equilíbrio entre o isolamento e uma vida social segura

“Não perdemos as aulas de dança de salão por nada. Principalmente eu, que tenho problemas de saúde”
Vicente Fiumarelli, 71 anos, proprietário de oficina (Crédito:Toni Pires)

Essa mesma segurança em relação ao estabelecimento é sentida pelas amigas Ariane Nogueira Xavier, aposentada e professora de piano de 70 anos, e Marta Maria Nepomuceno, aposentada de 76 anos. Juntas, depois de imunizadas também com as duas doses de CoronaVac, já foram oito vezes na Sala São Paulo assistir a concertos de música clássica. O local, na capital paulista, é vigiado por centenas de funcionários usando máscaras e também proteção facial. Com capacidade reduzida, assim como os hotéis e cinemas, é possível ver fileiras inteiras interditadas, e entre uma pessoa e outra há diversas poltronas isoladas. É proibido tirar a máscara dentro da sala de concertos e os que tentam ou tiram a máscara por segundos, são prontamente notificados por um dos funcionários, de olho em cada movimento da plateia. As amigas dizem que se sentem seguras no local, que permite a retirada das máscaras apenas na área externa, no café, caso estejam consumindo algum alimento. “No começo eu fazia tudo por delivery, mas depois achei uma harmonia e comecei a sair com máscara”, diz Marta. Ariane diz que o importante é não se render ao medo. “Se eu ficar em casa totalmente isolada, vou enlouquecer”. As duas também fazem aula, agora virtual, de canto em um coral, onde se conheceram em 2009. “Somos unidas pela música”, brincam.

E por falar em aula, o casal de aposentados e proprietários de uma oficina mecânica em São Paulo, Vicente e Elvira Fiumarelli, ambos com 71 anos, voltaram ao curso de dança depois de tomarem as duas doses da vacina produzida no Butantan. O casal retomou as aulas presenciais de diversos ritmos musicais, como dança de salão, sertanejo e gafieira, há cerca de dois meses. “Não perdemos a aula de dança por nada. Eu principalmente por problemas de saúde”, diz Vicente. Os dois também dançam, ao mesmo tempo, com outro casal de idosos vacinados, e mesmo assim, todos usam a máscara. O professor de dança sempre está com máscara, não importa a situação. Quando estão dançando na sala sozinhos, tiram a máscara para treinar uns passinhos, mas só isso.

Vida em movimento

Quem tem o privilégio de não usar máscara durante a sua atividade favorita é o aposentado Geraldo Borba, de 78 anos. Apaixonado por jogos de tênis, pratica a atividade quatro vezes por semana, em dois clubes diferentes de São Paulo. Se joga sozinho e ao ar livre, apenas com o adversário no outro lado da quadra, pode jogar sem máscara. Porém, em ambos os clubes que frequenta, retirar a máscara é só nesse caso. Ao sair da quadra, é preciso colocá-la novamente. “Eu tomei as duas doses de CoronaVac assim que chegou a minha vez e me senti mais tranquilo, já que sou um aposentado muito ativo”, diz. Borba se aposentou como engenheiro há quarenta anos, mas nunca parou de se ocupar. Hoje, por exemplo, é síndico do prédio onde mora e também faz parte do conselho do Clube de Campo São Paulo, onde além de jogar tênis, possui um chalé em meio à natureza.

Ele conta ainda que recentemente fez três pequenas festas para comemorar o seu aniversário em meio aos filhos e netos. “Para não me aglomerar, fiz três reuniões familiares, pois tenho cinco filhos e oito netos”. Borba brinca, aos risos, que já está preparado para o pior: “Já imaginei todo o meu paraíso. Ele será repleto de quadras de tênis, sempre disponíveis e todos os meus adversários jogarão menos do que eu”. Apesar da idade, Borba afirma que consegue competir bem com os mais jovens, que há uma perda física, claro, mas que ele tem a malícia da experiência. Poliglota, viajou e trabalhou em diversos países, como Suíça, Portugal e EUA. Sua vitalidade vem, segundo ele, da incapacidade de ficar parado: “Estou sempre aprendendo”.

VIAGEM A aposentada Anizia Felisbino, de 70 anos: quatro dias em resort de luxo (Crédito:Toni Pires)

Os dados atuais do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde em relação aos idosos são menos assustadores do que no passado. Em abril desse ano, as estáticas começaram a mudar e as mortes entre octogenários, por exemplo, caíram 60% e à medida que a taxa de vacinados crescia, mais os dados melhoraram. Se em abril, entre a faixa de 60 a 70 anos, havia 23% dos hospitalizados e 29% dos mortos por Covid-19 no total da população, esse número despencou para 11% e 16%, respectivamente, em junho. Em números absolutos, ainda segundo o Ministério da Saúde, na última semana de março morreram 5.737 pessoas dessa faixa etária, já na segunda semana de junho esse número foi de 875, uma queda significativa em quatro meses.

Isso, porém, não significa que a pandemia acabou entre os mais velhos. Principalmente por atrasos na compra de vacinas, pela recusa em tomá-las ou pelo tempo de espera para a tomada da segunda dose, a situação ainda exige atenção. O Brasil possui, no momento, apenas 13% de sua população totalmente vacinada, um número baixo, considerando que a taxa de segurança para a diminuição do contágio é de 70% da população inoculada com as duas doses. E, mesmo em países como Israel e EUA, que já alcançaram esse número, com o aparecimento de novas variantes, a cautela é total e o uso de máscaras em lugares fechados deve ser a tendência por enquanto. Mesmo assim, devidamente vacinados, muitos idosos começam a se sentir seguros para retomar suas atividades normais.