12/12/2024 - 11:31
Com a pausa no conflito entre Israel e Hezbollah, Líbano começa a enfrentar os desafios para sua reconstrução. Mas a trégua frágil e a crise econômica do país dificultam a tarefa.Quando Bassam Khawand, um apicultor de 55 anos do vilarejo de Saidun, no sul do Líbano, voltou para suas colmeias após o fim da guerra entre Israel e o Hezbollah, encontrou algumas de suas abelhas mortas. Os bombardeios israelenses durante o conflito de 13 meses o prenderam em seu vilarejo, incapaz de cuidar de sua criação.
Mas agora, com o cessar-fogo em vigor desde 27 de novembro, Khawand pôde finalmente voltar a cuidar de suas abelhas, sua fonte de mel e de renda. "Era muito perigoso deixar o vilarejo porque trabalhamos na floresta, onde, a qualquer momento, você pode ser atingido por um drone", disse à DW.
Parte de suas abelhas morreu por falta de alimento e outras foram queimadas nos incêndios provocados pelos ataques aéreos israelenses. As vendas de mel caíram porque "ninguém quer mel como antes", e ele não conseguia produzir o suficiente nem treinar apicultores, o que é fundamental para seu negócio.
Mas agora, Khawand está concentrado na reconstrução, em cuidar de suas abelhas, aumentar a produção de mel e treinar outros apicultores novamente.
A guerra de Israel com o Hezbollah no Líbano matou cerca de 4.000 pessoas e deixou mais de 16 mil feridos, de acordo com o Ministério da Saúde libanês. Mais de 1 milhão de pessoas ficaram desabrigadas, e a economia do país foi devastada.
Setor agrícola duramente atingido
Os incêndios destruíram até 65 mil oliveiras e danificaram 6.000 hectares de terras agrícolas, de acordo com o ministro da Agricultura libanês, Abbas Hajj Hassan, que chamou o uso de munições de fósforo por Israel de "um ato de ecocídio", no canal árabe de notícias Al Jazeera.
Rose Bechara, fundadora da premiada empresa de azeite de oliva Darmmess, no vilarejo de Deir Mimas, no sul do Líbano, disse à DW que, durante os bombardeios de Israel, ela teve que transferir a produção para uma outra instalação, em um vilarejo mais distante da fronteira.
Apesar da devastação, há um vislumbre de esperança, disse Bechara, pois análises feitas antes da colheita confirmaram que o solo de Deir Mimas permanece livre de metais pesados e fósforo, o que promete potencial para produção futura.
Ainda assim, o custo do conflito para os agricultores do sul do Líbano é impressionante. Estima-se que 60% deles não puderam colher este ano devido à guerra. Bechara, por exemplo, enfrentou perdas de cerca de 500 mil dólares (aproximadamente R$ 2,9 milhões) em equipamentos e capacidade de produção.
Enquanto as terras férteis que antes sustentavam a vida agora carregam as cicatrizes da guerra, o Líbano começa a enfrentar os desafios da reconstrução e da renovação em meio a um frágil cessar-fogo.
O desafio da reconstrução
A economia do Líbano já estava em crise antes da guerra devido a uma desaceleração econômica que começou em 2019. A alta inflação, a desvalorização da moeda e o aumento dos preços levaram 82% da população a viver em "pobreza multidimensional", de acordo com a Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (UNESCWA).
A guerra com Israel aprofundou ainda mais a crise, segundo dados recentemente compilados pelo Banco Mundial.
Mais de 99 mil unidades habitacionais, além de instalações públicas vitais, como hospitais e infraestruturas, foram danificadas ou destruídas. O custo dos danos físicos e das perdas econômicas é estimado em 8,5 bilhões de dólares (em torno de R$ 50,8 bilhões), enquanto uma força-tarefa independente prevê que o impacto econômico pode ultrapassar 20 bilhões de dólares (R$ 119,6 bilhões).
Sami Atallah, diretor fundador do think tank The Policy Initiative, sediado em Beirute, afirma que o conflito não apenas sufocou ainda mais a economia, mas eliminou um setor bancário funcional para apoiar os esforços de reconstrução. "Diferentemente da guerra de 2006, desta vez Israel também atacou propriedades privadas, piorando a economia do Líbano, pois as economias das pessoas acabaram e a renda despencou", disse à DW.
Garantir financiamento é essencial
Embora vários países tenham fornecido milhões em ajuda aos deslocados durante a guerra, a reconstrução do país requer recursos mais substanciais. Após esse cessar-fogo, o Irã prometeu apoio, enquanto as autoridades do Hezbollah prometeram compensação, e o Iraque declarou que ajudará tanto o Líbano quanto Gaza.
Em outubro, uma conferência internacional de ajuda em Paris mobilizou a promessa de arrecadação de 1 bilhão de dólares (R$ 5,9 bilhões), incluindo financiamento para as Forças Armadas libanesas, que serão cruciais para a aplicação do cessar-fogo.
Leila Dagher, professora associada de economia da Universidade Americana Libanesa, acredita que a reconstrução do Líbano depende de financiamento internacional, sendo que um pacote do Fundo Monetário Internacional (FMI) é crucial para desbloquear o apoio de doadores globais. "O desafio está em garantir que o financiamento esteja vinculado a mecanismos transparentes e orientados para a reforma, a fim de evitar a má administração e reconstruir a confiança na governança do Líbano", afirmou.
Segundo Atallah, o financiamento para reconstrução enfrenta grandes obstáculos, pois as nações do Golfo demonstram menos interesse, o apoio do Irã permanece incerto e os países ocidentais, embora defendam o movimento, contribuem com armas para Israel. Os riscos de corrupção também persistem, com empresas com ligações políticas dominando os contratos, muitas vezes com a cumplicidade dos doadores. "É essencial que haja maior responsabilidade tanto das autoridades libanesas quanto dos doadores internacionais", disse ele.
Com o esgotamento dos recursos internos do Estado libanês e um plano de reconstrução concreto ainda a ser desenvolvido, Dagher espera que o governo "priorize políticas de reconstrução transparentes e responsáveis, aprendendo com as crises passadas". Um banco de dados público online para rastrear a ajuda e o progresso, segundo ela, é "essencial para promover a confiança e minimizar a corrupção".
Vácuo político
O Líbano está sem presidente desde outubro de 2022, e o governo interino não tem poder total. O presidente do Parlamento, Nabih Berri, agendou uma sessão para a eleição presidencial em 9 de janeiro de 2025.
Esse vácuo político alimenta a desconfiança entre os doadores internacionais, já cautelosos com o histórico de corrupção e má administração do Líbano, com o atual governo visto como disfuncional e ineficaz.
"O Estado libanês deve supervisionar a reconstrução para evitar uma abordagem fragmentada, e os partidos políticos não devem interferir no processo de reconstrução, pois sua influência prejudica a capacidade do Estado de funcionar de forma eficaz", disse Atallah.
Dagher acredita que um governo voltado para a reforma é crucial para a reconstrução da confiança do povo libanês e da comunidade internacional. "Para liberar o financiamento internacional, o Líbano precisa urgentemente eleger um presidente e um primeiro-ministro com mentalidade reformista e comprometidos com a transparência e a responsabilidade", disse ela.
Entretanto, a reconstrução e as reformas estão intimamente ligadas a um cessar-fogo duradouro. Os libaneses permanecem cautelosos, vivendo no presente, já que a situação pode se desfazer a qualquer momento.
Uma fonte da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil) disse à CNN que Israel violou o acordo de cessar-fogo cerca de 100 vezes desde que a trégua entrou em vigor na semana passada, enquanto o Hezbollah respondeu com ataques de foguetes.
Rose Bechara acredita que os planos para o futuro ainda não podem ser feitos, pois não está claro se o cessar-fogo será mantido. "Não podemos dizer nada até que tenhamos uma visão clara da situação. Ninguém está pronto para continuar a guerra, mas ainda não nos sentimos seguros o suficiente para voltar", disse ela.
E o apicultor Bassam Khawand espera que o cessar-fogo dure. "Temos danos suficientes, mas temos um vizinho com o qual não é fácil trabalhar."