Lewandowski apresenta projeto antifacção, aposta para combater facções como PCC e CV

O texto prevê aumento de pena para líderes de facções, a criação de um Banco Nacional de Organizações Criminosas e a infiltração de agentes e empresas fictícias em organizações criminosas

Roberto Lewandowski, ministro da Justiça
Roberto Lewandowski, ministro da Justiça Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, apresentou nesta quarta-feira, 22, o projeto de lei antifacção, que agora segue para a Casa Civil.

O texto atualiza o marco legal de enfrentamento às organizações criminosas e é uma das apostas do governo Lula para fazer frente ao avanço de facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

Elaborado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, sob a responsabilidade de Mario Sarrubbo, a proposta visa atacar facções e milícias que dominam territórios e têm se infiltrado na economia formal.

O projeto traz mudanças numa série de legislações, como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei da Prisão Temporária e a Lei de Execução Penal.

Prevê o estabelecimento de um novo tipo penal (“organização criminosa qualificada”), aumento de pena para líderes de organizações criminosas, a criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas e a implementação de instrumentos para descapitalizar o crime organizado com maior agilidade.

“O banco estará aberto a demais forças de segurança de todo o País, estaduais, municipais. Não temos nenhuma restrição no que diz respeito à cooperação entre os entes federados. É um combate global, e temos que contar com a participação de todas as forças de segurança”, disse Lewandowski.

A infiltração de policiais e colaboradores na organização criminosa durante a investigação e a constitução de empresas fictícias para fins de infiltração na organização criminosa também estão previstas no projeto. A iniciativa é adotada em países como Reino Unido, Alemanha e Argentina.

“Uma novidade que estamos criando é a possibilidade de constituir pessoa jurídica fictícia para infiltração em organização criminosa. Em todo o mundo prevê-se a infiltração de agentes policiais, que se fazem passar por delinquentes (para investigar criminosos). Mas a organização criminosa hoje é sofisticada, montam empresas para negociar com outras empresas. Vamos permitir que empresas negociem com organizações criminosas para observar o modo como operam essas empresas (ilícitas)”, afirmou Lewandowski.

No caso de estelionato (fraude financeira) praticado por organização criminosa, o Ministério Público poderá ajuizar ação mesmo sem iniciativa da vítima. Hoje em dia a pessoa lesada é quem precisa fazer uma representação para gerar a ação penal.

Provedores de internet, operadoras de telefonia e empresas de tecnologia deverão viabilizar acesso a dados de geolocalização e registros de investigados. Já empresas de comércio, operadoras de cartão de crédito e plataformas de pagamento digital e fintechs deverão disponibilizar acesso aos registros de compras e pagamentos de investigados.

Juízes poderão determinar o confisco de bens no caso de setença que julgue extinta a punibilidade (isto é, se o réu ou acusado morre, o juiz extingue a punibilidade, mas os bens podem ser confiscados pelo Estado, evitando que herdeiros do criminoso fiquem com esses bens) e decisão que arquive definitivamente o inquérito ou profira sentença absolutória.

Há mudanças também para o sistema prisional. A proposta quer “monitoramento dos encontros realizados presencialmente ou por meio virtual, entre presos provisórios ou condenados integrantes de organizações criminosas e seus visitantes, por meio de captação audiovisual e gravação. Para tanto, será necessária autorização judicial e demonstração de indícios de que a comunicação está sendo utilizada para fins criminosos ou atentatórios à segurança do sistema prisional”.

Hoje, nas prisões brasileiras, há cerca de 700 mil presos e quase 80 facções em atividade, que costumam passar orientações para seus liderados que estão livres.

No caso de risco iminente à segurança, à vida ou à integridade física de algum detento ou de servidores, a Administração Penitenciária poderá promover, a transferência de presos para outros estabelecimentos prisionais, devendo comunicá-la imediatamente ao juiz competente.

Um dos rascunhos chegou a prever a criação de uma agência antifacção — ideia que era apoiada por Ministérios Públicos, mas sofreu resistência da Polícia Federal (PF) e por isso foi retirada.

O projeto prevê:

— Aumento de pena da organização criminosa simples, de 3 a 8 anos de prisão para de 5 a 10 anos de prisão;

— Aumento de dois terços ao dobro se houver:

Participação de criança ou adolescente;
Concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
Destinação do produto ou proveito da infração penal, no todo ou em parte, ao exterior;
Evidências de que a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
Circunstância de fato que evidencie a transnacionalidade da organização;
Infiltração no setor público ou a atuação direta ou indireta na administração de serviços públicos ou contratos governamentais;
O exercício de domínio territorial ou prisional pela organização criminosa;
Emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, explosivo ou artefato análogo;
Morte ou lesão corporal de agente de segurança pública.

 — Organização criminosa qualificada

Criação do tipo penal organização criminosa qualificada, com pena agravada para de 8 a 15 anos de prisão, quando a atuação do grupo tiver como objetivo o controle de territórios ou de atividades econômicas, mediante o uso de violência, coação, ameaça ou outro meio intimidatório;
Estabelecimento de pena de reclusão de 12 a 30 anos, no caso de homicídio praticado por ordem ou benefício de organização criminosa qualificada;
O crime de organização criminosa qualificada passa a ser considerado hediondo, ou seja, é inafiançável e insuscetível de graça, indulto ou anistia, exigindo o cumprimento da pena em regime inicial fechado.
Por fim, o juiz deverá determinar o afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, quando houver indícios suficientes de que o agente público está envolvido com uma organização criminosa.

O réu condenado por praticar crime de organização criminosa fica proibido de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais por até 14 anos.

O juiz poderá determinar, com requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, a intervenção judicial na administração de uma empresa, com a nomeação de gestor externo, se existirem indícios de que ela seja usada para a prática de crimes por organização criminosa.

Com a decretação da intervenção judicial, ocorrerá o imediato bloqueio de qualquer operação financeira, societária ou de gestão de fundos ou ativos financeiros até a efetiva nomeação de interventor judicial.

Se for identificada a vinculação de determinada empresa com uma organização criminosa, os contratos firmados com entes públicos poderão ser suspensos, com decisão judicial ou administrativa.

“O anteprojeto será analisado pela Casa Civil e pela Advocacia-Geral da União, e passará certamente pelo crivo político de conveniência e oportunidade por parte do presidente da República. Há várias perspectivas para serem levadas em conta antes de o projeto ser enviado ao Congresso Nacional”, declarou o ministro.