Duas (diferentes) faces de Letícia Sabatella – ela está no ar, na novela das seis da Globo, Órfãos da Terra, e nos cinemas com Happy Hour. Na TV, faz a submissa Soraia, primeira esposa de Aziz Abdallah e mãe de Dalila, e a família é forçada a deixar a Síria. No cinema, é a política cuja vida íntima sofre um baque, e justamente quando está sendo convocada por seu partido para se candidatar a prefeita. Como o diretor Eduardo Albergaria chegou a lhe propor esse papel? “Xiii, é uma história longa. Tenho duas casas, uma no Rio e outra em Curitiba. Para chegar a essa última, faz algum tempo, tive de atravessar uma manifestação. Fui identificada e as pessoas começaram a me agredir verbalmente – ‘P… do PT!’ Não polemizei com ninguém, não bati boca, mas saquei do celular e gravei. Coloquei nas redes sociais e viralizou. O Eduardo viu, gostou da minha atitude, sentiu firmeza e me chamou para fazer a candidata dele.”

Em Happy Hour, que tem o subtítulo de Verdades e Consequências, Letícia faz uma política que, não por acaso, se chama Vera. Nesse mundo dos políticos, que todo mundo adora criticar, Vera, de verdadeira, mantém sua integridade e, por isso mesmo, toma um susto quando o marido, um professor de literatura que está sofrendo a tentação da carne, lhe propõe abrir o casamento para ele poder ir com uma aluna sexy para a cama. O público e o privado. O marido é argentino, interpretado pelo ator Pablo Echarrí – e tem um amigo, também argentino, Luciano Cáceres. Para incrementar ainda mais a trama, há um ladrão – Homem-Aranha – que age na cidade, escalando edifícios. Sem spoiler, o marido literalmente atropela o Aranha – mas é preciso ver como isso ocorre – e tira o estrelismo da mulher. A candidata a prefeita passa a ser a mulher do herói. Aceitará o adultério consentido, ou melhor, consentirá?

A trama tem algo de Eric Rohmer, como devem lembrar-se os cinéfilos que assistiram a Minha Noite com Ela. Jean-Louis Trintignant faz homem casado – e católico – que resiste a ir para a cama com Françoise Fabian e, no final, descobrimos depois que, enquanto isso, sua mulher está ficando com outro.

Albergaria define Happy Hour como um conto moral, como os de Rohmer. “Sobre a lembrança de Rohmer, ele esteve ‘presente’ quando escrevia as cenas de Horácio, o marido, andando pelas pedras, vagando com Clara, a aluna, refletindo sobre sua natureza. Está tudo lá – o desejo de encarar a (grande) hipocrisia brasileira, que faz com que só se condenem os políticos, o convite à desconfiança e à reflexão, quiçá o desejo de tentar ir além de uma simples comédia de costumes, realmente elaborando um conto moral rohmeriano”, reflete o diretor e roteirista. Casado há 20 anos, ele admite que liberou fantasias através de Horácio, nada que comprometa sua união. “Ela é minha luz.”

A própria Letícia reconhece o que lhe parece a maior virtude de Happy Hour. “O filme não tem medo de ser diferente. Parece ser muito simples, e aí você vê que tem camadas. Cria expectativas, que depois subverte.” Como no Rohmer, Minha Noite com Ela, você pode ter certeza de que será Vera a empurrada para o adultério. Com quem? Veja para saber. E ainda tem a piada, o twist final, envolvendo o amigo argentino garanhão. “O momento não anda nada bom para o cinema brasileiro, mas acho que o público deveria dar uma chance ao Eduardo (Albergaria) e a Happy Hour.” O repórter avaliza. O filme surpreende.

E a novela? Órfãos da Terra aborda o problema dos refugiados. Quem assiste aos primeiros capítulos – estreou na terça, 2 -, já viu que é bem produzida, e forte. Todas as cenas envolvendo os deslocamentos de massas são impressionantes. Quando conversou com o repórter, em São Paulo, Letícia aproveitava uma breve janela, um intervalo nas gravações. Liberada pela Globo, ela veio promover o filme, mas ia voltar imediatamente para o Rio, e para o Projac, para gravar uma cena decisiva para sua personagem, que vai ao ar no capítulo de número 23. “A Soraia é muito submissa ao Aziz, mas num lampejo de insubordinação ela ajuda Laila a fugir do sheik antes que o casamento deles seja consumado.” Soraia é mãe de Dalila, e a filha tem um temperamento muito forte. Nesse sentido, parece-se mais com o pai. “O roteiro não insinuava nada disso, mas para construir minha relação com a filha imaginei que a Soraia teve depressão pós-parto. É uma relação conflitiva e enriquece a trama.” Dalila, interpretada por Alice Wegmann, decididamente, não será submissa como a mãe.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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