19/07/2017 - 10:00
É como aquela tatuagem gravada na pele dos dois para registrar o tempo em que o relacionamento existia. E quando o amor se vai? No corpo, resta a lembrança eterna – os traços se azulam com o passar do tempo, mas ali permanecem. É trágico. Já remover o desenho a laser custa uma fortuna. É cômico. Nesse ambiente, um lugar no qual os extremos, a tragédia e a comédia, conversam e, às vezes, coexistem, transita Letícia Novaes em seu novo projeto solo, agora sem integrar mais o duo Letuce, formado ao lado de Lucas Vasconcellos. Ela lança o disco Letrux em Noite de Climão, um álbum que ganha vida pelo selo Joia Moderna. Nele, Letícia se torna Letrux. E não entenda errado: Letrux é Letícia, mas é mais do que isso.
Formada em teatro, Letícia tem em Letrux sua nova personagem. É autobiográfica, evidentemente, embora a persona avance nos extremos. “Ao fazer arte, a gente empresta a nossa cabeça e o nosso corpo a ela. É uma espécie de incorporação”, diz a carioca. “Às vezes, você simplesmente é tomado. É até difícil explicar.” Há, nessa coleção de 11 faixas, “muito da minha história, muito da minha vida e do que aconteceu nos últimos anos”. O álbum ganhará sua encenação ao vivo no Centro Cultural São Paulo, no dia 10 de agosto, às 21h.
O acerto de Letrux (ou seria Letícia?) está no pacote dessa tal Noite de Climão. Está na sonoridade saída de uma boate que viveu seu auge nos anos 1980 e, 30 anos depois, tem suas luzes coloridas refletidas em um globo espelhado capengamente pendurado no teto. Sintetizadores retrô se unem às batidinhas não aceleradas demais para dançar mesmo que as pernas já estejam cansadas da noite longa e a coordenação motora tenha ido para as cucuias. É o cenário perfeito para a atmosfera proposta no disco. “Gosto dessa metáfora!”, anima-se Letrux. “É como uma boate do centro de Copacabana”, completa.
Na construção desse ambiente, a música Ninguém Perguntou de Você surge perfeita. A voz de Letrux canta ao som do tilintar de talheres e conversas ao fundo – faça o teste e ouça a canção de olhos fechados: é possível visualizar uma cantora de olhos inchados pelo choro recente, recostada e cambaleante, cantando versos como “a gente só serviu no sonho” ou “a gente só prestou dormindo”.
“Entrei num transe enquanto gravava essa música”, ela recorda.
Esteticamente, a Letícia/Letrux se desliga da Letícia/Letuce. Por isso, também, a decisão por um novo nome artístico. “Letuce” era o apelido entre os amigos. Para o novo projeto, ela buscou outros tratamentos dados a ela pelos mais próximos. “Cogitei até usar Letrúcia”, lembra. “Mas Letrux tem algo de fênix, morreu como Letuce e agora ressurge como Letrux. O Letuce tinha discos mais solares. Embora eu ame esses trabalhos, eu queria brincar com isso. O último disco da banda (Estilhaça, de 2015) já mostrava algo desse som.”
No papo, Letícia é tão intensa quanto Letrux em seu disco. “Queria, mesmo, um disco de climão”, ela diz. O tal climão, aos desavisados, diz respeito a situações constrangedoras, nas quais uma ou mais pessoas se sentem desconfortáveis. “Então, fui atrás de um disco com esse som de pistinha, para dançar e para chorar. E, por essas coisas, eu passei”, ela garante. “Eu chorei. Eu dancei. Não só pelo fim do Letuce, mas por todo o momento brasileiro. A gente chora, mas a gente também dança e ri. Brindamos as emoções, afinal, viver é tragicômico”, ela argumenta.
Tão tragicômico quanto na música Além dos Cavalos, cuja situação (da tatuagem de casal) é descrita no início desse texto – e só quem tem uma sabe do que estamos falando. “O ser humano é assim mesmo. Você pode amar alguém. Você pode querer matar alguém. Sofremos e rimos, tudo ao mesmo tempo.”
Serviço:
Letrux
‘Letrux Em Noite de Climão’
Joia Moderna; R$ 25 e plataformas digitais