Há dez anos o mundo assistiu a cenas que não haviam sido imaginadas nem pelos mais catastróficos diretores e roteiristas de Hollywood. Aviões seqüestrados se chocaram contra três grandes marcos americanos, as duas torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e o prédio do Pentágono, em Washington. A pedido de Gente, três jornalistas que estavam nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, relembram o que testemunharam:
Edney Silvestre, jornalista, era correspondente da Globo em Nova York na época dos atentados?Depois de cobrir os ataques de 11 de setembro, não adio nada que eu quero fazer. De quase três mil mortos, a maioria tinha menos de 25 anos. Porque foi no horário em que estagiários e recém-formados trabalham. Eram 8h20 da manhã. Imagina só, você acaba de se formar, vai ao trabalho, um avião bate no prédio e você morre… Eu morava perto, a duas estações de trem do World Trade Center, e por isso corri pra lá. Tinha voltado da academia, estava subindo o elevador. Minha rotina geralmente era: ia para a academia, voltava aí ligava a televisão e o computador. Quando eu liguei a televisão tinha acabado de acontecer. Eu não entendi nada, só vi um buraco enorme no prédio. Eu e o cinegrafista Orlando Moreira fomos os primeiros jornalistas brasileiros a chegar ao que restava do WTC. Ou seja: escombros. Fomos a pé porque o sistema de transportes da cidade tinha parado de funcionar. Fora suspenso, por receio de novos ataques. O serviço só seria restabelecido no fim da tarde. Assim mesmo, parcialmente. Os outros colegas ficaram na redação (Zileide Silva) ou estavam no centro de Manhattan (Heloisa Villela, hoje na TV Record, e Jorge Pontual, que tinha ficado retido fora da ilha de Manhattan, mas acabou conseguindo entrar mais tarde, a tempo de fazer matérias). Não havia como falar com a redação, que ficava no centro de Manhattan. Os telefones celulares não estavam funcionando porque, quando uma das torres veio abaixo, tinha no topo a antena que permitia a comunicação telefônica. Havia muitos brasileiros, no meio da multidão que fugia. Vários, ao verem o microfone que eu segurava, com o símbolo da Globo, vinham até nós, espontaneamente, dar seu emocionado relato do que acontecera. Foi difícil atravessar a barreira de policiais, as barricadas, a fumaça, sentindo aquele cheio de carne queimada que, mais tarde, saberíamos vir das milhares de vítimas carbonizadas. O prefeito de Nova York, Rudy Giuliano, nos viu e mandou que colocássemos máscaras contra toda aquela poeira e poluição. Orlando trabalhava incansavelmente. Fez as impressionantes imagens que abririam o Jornal Nacional daquela noite e que são utilizadas até hoje. De tudo, posso dizer que o mais difícil não foi a parte jornalística, árdua sim, trabalhosa sim, mas a parte humana. Difícil foi saber dos quase 3 mil assassinatos, ver as pessoas saltando para a morte por estarem cercadas pelas chamas, calor e fumaça, e manter para o telespectador brasileiro um relato jornalístico objetivo sem me deixar tomar pela emoção e revolta. Havia o medo de um novo ataque. Mas nós somos jornalistas e eu ia fazer o quê? Sair da cidade? Eu adoro Nova York. A gente não sabia o alcance da Al-Qaeda. Eu ia para o WTC todo dia durante 21 dias. Nós todos trabalhávamos muito. Seguramente… A gente acordava às seis da manhã e trabalhávamos até umas nove da noite (de lá). E a Heloisa Vilela ainda tinha um bebê, a babá trazia o menino na redação para ser amamentado. Este ano, quando o Bin Laden foi morto havia muitos jovens nas ruas nas manifestações. Na época dos ataques eles deveriam ser umas crianças. Mas devem ter convivido com o medo. Foi a celebração mais pela libertação do medo. Não sei. É uma hipótese? Zileide Silva, jornalista, trabalhava na redação da Rede Globo em Nova York em 2001 ?Estava de férias aqui no Brasil. Voltaria ao trabalho no dia 12, mas antecipei minha ida. No dia 10, já estava em Nova York. No dia 11, fui acordada pela então coordenadora do escritório da Globo em NY, Simone Duarte. ?Corre prá cá. Um terrível, um lastimável acidente?, ela disse. E continuou.?Um avião atingiu uma das torres do WTC. Você precisa assumir as entradas ao vivo durante a programação?. Fui escolhida porque morava ao lado do escritório. Não demoraria para chegar lá. Fui correndo, a pé. Minhas primeiras entradas foram por telefone. Depois com imagens, completas. E, aí, depois do segundo choque, todos já sabíamos. Não era um acidente. Era um atentado terrorista. O início foi caótico. Como explicar o que acontecia? Ninguém sabia exatamente. Quem seria o responsável? Quem assumiria a autoria? Qual a dimensão de tudo aquilo? Quando me avisaram que um outro avião atingira o Pentágono, quase gritei: ?Não é verdade, não pode ser?. Era. E ainda tínhamos, todos, que administrar a emoção. Manter a objetividade, com isenção, precisão, correção. Ao entrevistar muitos americanos uma pergunta era comum, e com essa dúvida abri minha reportagem para o Jornal Nacional do dia 11. ?Como aquele país podia ser tão vulnerável? O país mais poderoso do mundo?. Houve também uma outra reação. Eles diziam: ?Não vou mudar nada na minha rotina. Ninguém pode mudar um nada ou será a vitória dos terroristas?. Nunca antes acompanhamos uma transmissão como aquela. Uma tragédia, que mudou o mundo, transmitida ao vivo. Assistir, ver milhares de pessoas morrendo, se jogando das torres, saltando para a morte. Lembro que à noite, andando pela Terceira Avenida, voltando para casa, vendo parte da cidade parada, Nova York parada, silenciosa, deu uma tristeza imensa. Já em casa, sozinha, chorei muito?. Teté Ribeiro, apresentadora do Saia Justa, do GNT, e editora da revista Serafina, morava em NY em 2001 Morava em Nova York desde março de 2000 e estava no meu terceiro apartamento, na rua 12 esquina com a terceira avenida, no East Village. Estava em casa com meu marido, Sergio Dávila, que era correspondente da Folha, estava dormindo quando o primeiro avião bateu, porque chegamos tarde na noite anterior. Acordamos com o telefone tocando sem parar, o que para nós jornalistas é um sinal de que algo estava errado. O Sergio acordou com o telefonema da secretária de redação, e ela pediu para me acordar também. Ele era correspondente e eu fui escalada para cobrir também. Acordei no susto, coloquei uma calça, uma camiseta, calcei uma sandália plataforma e desci. Antes do segundo avião bater, as pessoas não tinham muito bem a ideia do que estava acontecendo. Acharam que era um pequeno acidente. Alguns minutos depois que descemos, soubemos de um segundo avião. Aí o clima fechou. Bateu um clima de perigo, de medo. Não deu pra ver o segundo avião batendo porque já tinha muita fumaça. Fomos andando até em direção às torres contra um mar de gente que saiu correndo na direção oposta, fugindo do alvo dos ataques. No caminho, encontrei a Gisele Bündchen e fiz uma pequena entrevista com ela. Ela morava muito perto de lá, estava muito assustada, com o fotógrafo Vavá Ribeiro. O caos era tão grande que ninguém reconheceu a Gisele na multidão. Sou asmática e a poeira era demais, não conseguia respirar. Resolvi parar e voltei pra casa a pé, sem sapato. Foi estranha a sensação de caminhar descalsa ali, o chão estava coberto de poeira, parecia areia da praia. Para quem está lá, no local do atentado, não é simplesmente uma notícia. Você vê pai chorando, foto de gente desaparecida, tudo pertinho de você. Eu não senti medo porque sabia que não era alvo daquilo, mas as pessoas de lá se sentiam ameaçadas. Em Nova York eu sabia que era estrangeira e que o atentado não era contra mim. Estava fisicamente inserida naquele contexto e corria risco, mas não me sentia pessoalmente ameaçada pelo fato de ser estrangeira. Antes do atentado, as pessoas sabiam que existia terrorismo, mas era uma ideia distante, ninguém acreditava. Antes a segurança de aeroporto era relax, depois claro que isso mudou muito. Eu vi uma ferida sendo aberta no país. Escolhi fazer jornalismo meio por acaso e fui testemunha de um dos fatos mais importantes do mundo. Foi uma confirmação da minha vocação de jornalista. O que mudou na minha vida é que as relações ficam mais sólidas. Eu tava casada há pouco tempo e pensei que sorte que estou bem, com o meu marido.?