Parece eficiência, mas não é. Parece meticuloso zelo social, mas não é. Parece cumprimento do dever inerente a mandato parlamentar, mas não é. É, isso sim, pura demagogia e mero jogo para a torcida. Está-se falando de alguns deputados e senadores, herdeiros da tradição cartorial brasileira que traz o gene de uma ilusão:  a de que decretos e leis, pelo simples fato de estarem escritos em códigos e regulamentos, são capazes de regrarem na área penal o comportamento dos cidadãos – como se a personalidade dos indivíduos não fosse uma dinâmica biopsicossocial (para a prática de bons ou maus atos), mas uma estrutura passível se ser alterada por meio daquilo que se decreta. Seguindo essa metodologia, sempre que acontece um crime a ferir gravemente o tecido social vê-se parlamentares produzindo açodadamente novas leis, vazias de conteúdo e com apelo midiático. Foi assim, por exemplo, quando em 1990 se criou no Brasil a figura do crime hediondo para sequestro.

A repercussão da lei foi retumbante (a progressão de regime de cumprimento de pena se tornou mais difícil), mas sua eficácia durou o tempo de efervescência de um sal de frutas: acabamos com o sequestro no País!, bradavam legisladores. O crime de sequestro só fez aumentar. Aí estendeu-se a qualificação de crime hediondo para praticamente todos os ilícitos penais (corrupção de político não), sempre que algum deles ganhou as manchetes. Os índices de criminalidade, no entanto, seguiram desafiando as improvisadas e inócuas providências do legislativo.

Agora, a partir da repercussão na mídia mundial do bárbaro caso de estupro no Rio de Janeiro, correram os legisladores a criar a figura penal do estupro coletivo, com pena máxima de trinta anos. Absurdamente, temos então no Brasil duas tipificações penais para o estupro, o coletivo e o individual – como se o fato de uma mulher ser violentada por um homem fosse menos crime que ser violada por dois ou mais indivíduos. Claro que o Poder Legislativo deve tratar da tutela da segurança da mulher pelo Estado.

Vale então a pergunta: por que não se aumentou também para três décadas a pena do estupro, digamos, individual? Resposta fácil: a expressão “coletivo” é nesse momento midiática, então tinha-se de fazer algo com essa qualificação. Estupro é estupro e ponto final, e a pena tem de ser a maior possível para todos os casos. A criação de subtipos, numa violência tão grave, só serve para originar brechas na própria lei. É preciso que se legisle no sentido de aniquilar o narcotráfico, com tolerância zero (melhor, tolerância menos mil). O estupro compõe a “cultura” dos traficantes que implantam suas “leis” imorais nas comunidades que comandam. A barbárie da “cultura do estupro” está enraizada na “cultura do tráfico” desde que na Terra de Santa Cruz se traficava Pau Brasil.

Essa também era a hora, aliás, de os legisladores desfazerem a bobagem que fizeram tempos atrás: na ânsia de parecerem enérgicos, transformaram em crime de estupro o atentado violento ao pudor. Anteriormente, quando um juiz condenava alguém por estupro, podia condená-lo também por atentado violento ao pudor, e a pena se somava bem alta. Com a extinção dessa tipificação penal, só se pode aplicar agora uma única pena, que é a do estupro – e inevitavelmente a sentença fica mais branda.

Além disso, estupradores que estavam cumprindo pena, por exemplo, de trinta anos, passaram automaticamente a ter pena menor, já que uma delas (a do atentado ao pudor) tornou-se inexistente. Resultado: diversos estupradores estão passando do regime fechado para o semiaberto ou já estão sendo libertados.