Lei não prevê tratamento especial a ex-presidentes presos, dizem especialistas

Fernando Collor
Fernando Collor Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta segunda-feira, 28, por manter a prisão do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor por seis votos a quatro. O político foi sentenciado a oito anos e dez meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, por corrupção e lavagem de dinheiro em um processo resultante da Operação Lava Jato. O condenado está detido em ala especial do Presídio Baldomero Cavalcanti Oliveira, em Maceió (AL).

Por ter sido chefe do Executivo entre 1990 e 1992, Collor recebe benefícios como quatro servidores que atuam como seguranças, dois veículos com motoristas e dois assessores, com base no Decreto de Lei Nº 6.381, de 2008. Entretanto, a Constituição não prevê tratamento especial para ex-presidentes presos, dizem especialistas à IstoÉ, cabendo ao Judiciário ou à administração penitenciária decidir se um ex-mandatário cumprirá sentença em uma cela individual.

No caso de Collor, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que, pelo fato do condenado ser um ex-presidente, a pena deve ser cumprida em uma ala individual do presídio onde ele está detido.

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De acordo com Virgínia Machado, professora de Direito Constitucional do UniArnaldo Centro Universitário, de Belo Horizonte (MG), até 2023 uma legislação autorizava que condenados com formação no ensino superior cumprissem pena em cela especial, mas a medida foi suspensa pelo STF. “A legislação não estabelece nenhum tipo de cela em especial para quem já está com sentença transitada em julgado”, pontuou.

Conforme a professora, apenas durante a prisão preventiva integrantes de alguns grupos são contemplados com cela especial no Código Penal. São eles: ministros de estado, governadores, secretários, prefeitos, vereadores, chefes de polícia, cidadãos inscritos em nível de mérito, membros das Casas Legislativas, oficiais das forças armadas e militares, magistrados, delegados de polícia, ministros de confissão religiosa, guardas civis e pessoas que já exerceram função de jurado.

“Pós trânsito em julgado, não há uma cela especial”, ressalta Virgínia, acrescentando que, apesar da legislação não prever um tratamento específico para ex-presidentes, a Constituição estabelece a individualização da pena, portanto, uma condição especial, como já ter sido chefe do Executivo, pode fazer um indivíduo ser alocado em uma ala individual.

“Ex-presidentes da República não têm direito, por lei, a nenhum tratamento especial [quando presos]”, comenta Gustavo Badaró, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), pontuando que condenados que já foram chefes de estado podem ser colocados em celas individuais para “manter a ordem” em um presídio, mas por decisão da administração penitenciária ou do Judiciário.

Como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (MDB) ficaram presos em celas especiais, “seria razoável” que Collor e outros ex-presidentes recebessem o mesmo tratamento caso detidos, aponta Badaró.

Por que Collor foi condenado?

A denúncia contra Collor foi inicialmente apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) em agosto de 2015, no âmbito da Lava Jato. Collor foi acusado de receber propina, entre 2010 e 2014, em esquema de corrupção na BR Distribuidora, empresa subsidiária da Petrobras na venda de combustíveis.

Moraes detalha em sua decisão que Collor, na época senador, recebeu R$ 20 milhões para influenciar na indicação de diretores da BR Distribuidora e viabilizar contratos da subsidiária com a UTC Engenharia. Para isso, ele teria contado com a ajuda dos empresários Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luis Pereira Duarte de Amorim, condenados, respectivamente, a quatro anos e um mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e a penas restritivas de direitos.

A denúncia surgiu a partir da delação premiada de Ricardo Pessoa, ex-presidente da UTC. Em novembro do ano passado, o STF rejeitou recursos apresentados pelo ex-presidente e manteve a condenação definida pela corte. Como ainda cabiam recursos, o ex-presidente ainda não tinha sido preso.

Além da pena de prisão, ele foi condenado a indenizar a União em R$ 20 milhões e a pagar uma multa. Collor também está proibido de exercer cargo público por prazo equivalente ao dobro da pena – ou seja, por 17 anos e oito meses.

Impeachment e renúncia

Inicialmente, a defesa de Collor afirmou, por meio de nota, que recebeu a decisão com “surpresa e preocupação”, e disse que o ex-presidente pretendia “se apresentar para cumprimento da decisão determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes, sem prejuízo das medidas judiciais previstas”. Segundo o jornal “O Globo”, Collor acabou sendo detido em Maceió quando se preparava para viajar para Brasília, onde iria se entregar à Polícia Federal.

Collor foi o 32° presidente do Brasil, de 1990 até 1992. Ele acabou renunciando enquanto respondia a um processo de impeachment aprovado pelo Senado. Depois disso, foi senador por Alagoas de 2007 até 2023.

Collor é o terceiro ex-presidente do Brasil a ser detido desde a redemocratização. E o segundo detido após condenação na esfera penal. Antes dele, Luiz Inácio Lula da Silva havia sido preso em 2018 após condenação em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro – posteriormente anulada. O ex-presidente Michel Temer também foi detido preventivamente em dois episódios em 2019, mas não chegou a ser sentenciado.

*Com informações da Deutsche Welle

**Estagiário sob supervisão