Familiares de vítimas classificaram nesta quinta-feira (10) como “ilegal” e “injusta” a lei aprovada no Congresso do Peru que concede anistia a militares e policiais processados por crimes cometidos durante o conflito armado que assolou o país entre 1980 e 2000.
A legislação, aprovada na quarta-feira e que ainda precisa ser promulgada pela presidente Dina Boluarte, beneficia agentes das forças de segurança que estejam denunciados, investigados ou julgados por violações de direitos humanos ocorridas durante o combate a diversas guerrilhas de esquerda.
Esse período violento no final do século passado deixou cerca de 70 mil mortos e opôs o Estado peruano a grupos armados como o Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA).
Os familiares das vítimas sentem “muita indignação, dor e raiva” diante da aprovação da anistia, disse à AFP Gisela Ortiz, cuja irmão foi sequestrado e assassinado por um dos chamados “esquadrões da morte” do Exército em 1992.
“Não apenas nos parece ilegal, mas também injusta e desumana essa decisão de conceder perdão àqueles que violaram os direitos humanos”, lamentou Ortiz durante uma coletiva de imprensa na sede da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos.
O ex-chanceler peruano e ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos Diego García-Sayán anunciou que as vítimas e organizações de direitos humanos buscarão por vias judiciais impedir que a lei seja aplicada.
“O que foi aprovado não tem precedentes na América Latina, que já teve e ainda tem problemas em matéria de respeito aos direitos humanos”, afirmou García-Sayán.
“Essa lei viola todos os tratados internacionais e a Constituição”, acrescentou.
Segundo o presidente de um coletivo que reúne vítimas, Luis Aronés, a “lei beneficia assassinos e criminosos de lesa-humanidade”.
Organizações de direitos humanos estimam que essa lei de anistia beneficiaria cerca de 900 militares e policiais, incluindo diversos generais.
A normativa foi aprovada em segunda votação no Congresso na noite de quarta-feira, após uma primeira votação realizada em 12 de junho.
O projeto de lei foi apresentado pelo congressista Fernando Rospigliosi, do partido direitista Fuerza Popular, liderado por Keiko Fujimori, filha do falecido ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que foi condenado por diversos crimes, mas libertado em 2023 por motivos humanitários.
O Peru aprovou, em agosto de 2024, uma lei que declarou prescritos os crimes de lesa-humanidade cometidos antes de 2002 durante a luta contra as guerrilhas – uma iniciativa que beneficiou o próprio Fujimori e cerca de 600 militares processados.
Segundo a Comissão da Verdade e Reconciliação, há no Peru mais de 4 mil valas clandestinas resultantes da violência ocorrida entre 1980 e 2000.
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