Lei anti-Oruam fere liberdade artística e de expressão?

Oruam
Rapper Oruam Foto: Reprodução/Instagram

Um projeto conhecido como “lei anti-Oruam” começou a tramitar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro nesta semana após ser protocolado pelos vereadores Pedro Duarte (Novo) e Talita Galhardo (PSDB). A proposta visa proibir a gestão municipal de contratar para eventos públicos artistas e músicos que façam apologia ao crime.

Projetos similares foram protocolados anteriormente por Kim Kataguiri (União Brasil-SP), na Câmara dos Deputados, e pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil), em São Paulo (SP). A proposta ficou conhecida como “anti-Oruam” após a parlamentar paulistana citar o cantor como exemplo de artista que faz apologia ao crime.

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Na última semana, o rapper Oruam, que é filho de Marcinho VP, um dos líderes do CV (Comando Vermelho), declarou em suas redes sociais que virou “pauta política” e o projeto não ataca só ele, mas também outros músicos da cena.

“Eles sempre tentaram criminalizar o funk, o rap e o trap. Coincidentemente o universo fez um filho de traficante fazer sucesso e eles encontraram a oportunidade perfeita para isso”, pontuou o cantor.

Após propor o projeto, Amanda Vettorazzo relatou ter sofrido ameaças e abriu um B.O. (Boletim de Ocorrência) contra Oruam depois do rapper publicar vídeos com ofensas à vereadora nas redes sociais. A parlamentar afirmou nas redes sociais que propostas similares foram protocoladas em 80 cidades brasileiras, sendo 18 capitais.

O que é a lei “anti-Oruam”

De acordo com Amanda Vettorazzo, o projeto determina que o poder público seja proibido de contratar para eventos artistas que façam apologia ao crime e ao uso de drogas, sob pena de multa de 100% do valor do contrato. A parlamentar expressou que a legislação se aplicaria aos casos em que os shows possam ser “acessados pelo público infantojuvenil”.

Estigmatização de estilos musicais e liberdade de expressão

Segundo Antônio Carlos de Freitas, doutor em direito constitucional pela USP (Universidade de São Paulo) e professor do Centro Universitário Fundação Santo André, a proposta não é inconstitucional, mas carrega um “preconceito intrínseco” por estigmatizar principalmente estilos musicais de origem periférica.

Freitas acrescenta que a arte é utilizada para provocar reflexão na sociedade e vedar a mera menção ou a provocação sobre temas como uso de drogas e o crime organizado não seria razoável. “Os critérios e mecanismos precisam ser transparentes e objetivos”, pontua o professor da Fundação Santo André.

“O fato é que o ordenamento jurídico e a legislação proíbem apologia a crimes, sendo razoável, proporcional e adequado que esse impedimento se estenda a vedações de outras ordens”, conclui Freitas.

Renata Furbino, professora de direito criminal na Uniarnaldo Centro Universitário, de Belo Horizonte (MG), avalia que o projeto é uma tentativa de associar manifestações artísticas com a criminalidade. “A proposta de lei ‘anti-Oruam’ ignora as questões sociais que levam jovens da periferia a se identificarem com letras que retratam a realidade do crime”, aponta.

“O funk e o rap funcionam como importantes canais de denúncia social e expressão cultural das periferias brasileiras”, comenta a professora de direito criminal, acrescentando que tais estilos permitem que jovens retratem suas experiências, críticas e aspirações. “Outros gêneros musicais que eventualmente abordam temas relacionados à violência não sofrem o mesmo tipo de perseguição.”

Para Renata, proibir a apresentação de artistas representa uma forma de silenciamento das vozes periféricas, “perpetuando um ciclo de preconceito”.

Após as polêmicas acerca do projeto “anti-Oruam”, Kim Kataguiri fez um vídeo rebatendo críticas ao projeto e afirmando que não há perseguição contra estilos musicais específicos. “Todos os gêneros estão ali, se tiver uma música clássica fazendo apologia ao PCC (Primeiro Comando da Capital), vai se enquadrar na lei da mesma maneira”, declarou o parlamentar, acrescentando que o funk é apenas uma manifestação artística que faz isso “de forma recorrente”.

*Com informações do Estadão

**Estagiário sob supervisão