O Tribunal do Júri (informalmente chamado júri popular) tem o seu conselho de sentença composto por sete cidadãos leigos, escolhidos entre membros da comunidade. Cabe a esse tribunal julgar os crimes contra a vida, porque segue-se, assim, o princípio da isonomia no campo da potencialidade de delito que o ser humano pode cometer. Ou seja: a ciência criminal ensina que um homem ou uma mulher guardam certeza ao garantirem, por exemplo, que jamais sequestrarão ou roubarão, mas nunca devem assegurar que não cometerão um assassinato — até porque somos seres dotados de razão e emoção, córtex pré-frontal e sistema límbico, e o campo emocional muitas vezes a embota o campo racional. Há uma questão polêmica que, ao longo do tempo, tem fascinado advogados de defesa, promotores e juízes: o conselho de sentença do Tribunal do Júri é plenamente soberano em suas decisões, ainda que absolva ou condene um réu de forma “manifestamente contrária às provas” técnicas? Mais: se assim o júri popular proceder, cabem recursos a instâncias superiores da Justiça (juízes togados), pedindo novo julgamento?

Atualmente, as decisões “manifestamente contrárias às provas” são passíveis de revisão em duplo grau de jurisdição. Ocorre, no entanto, que em 2021 o Supremo Tribunal Federal tem um encontro marcado com tal questão. Se decidir pela soberania intocável do Tribunal do Júri, estará indubitavelmente abrindo a porta do passado para que retorne, no campo da defesa do réu ou da ré, a tese de “legítima defesa da honra”: matei porque fui traído ou traída amorosamente e me senti desonrado ou desonrada. Isso é temerário em um País que apresenta dados alarmantes de feminicídio: seiscentas e quarenta e oito mulheres mortas por motivação de gênero no primeiro semestre do ano passado.

A tese de “legítima defesa da honra” foi responsável por deixar impune muitos homens nas décadas que vão de 1940 a 1970. Nos tribunais do júri, ganhava os debates o promotor ou o advogado que tivesse melhor retórica, já que provas concretas podiam ser desprezadas ou contrariadas. Esse pretérito se fez recentemente presente em um júri realizado em Minas Gerais: um homem que tentara matar a esposa foi absolvido. O caso chegou ao STF e sua Primeira Turma rejeitou o pedido de novo julgamento, embora a absolvição tenha se dado em desalinho com as provas. No sentido de não autorizar outro júri, votaram Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber; e foram votos vencidos Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O voto do ministro Moraes é brilhante: “Até décadas atrás, a legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os homens violentos (…), o que fez o País se tornar campeão de feminicídio”.