“(…)Sonhar mais um sonho impossível…Lutar quando é fácil ceder…Vencer o inimigo invencível (…)” O poema de Fernando Pessoa, cantado em verso e prosa por Chico Buarque, reflete o acontecimento do dia 23 de agosto de 1987. Naquela data, o Brasil superou os Estados Unidos por 120 a 115, em Indianápolis, impôs aos norte-americanos o primeiro revés em casa na história do basquete e conquistou o ouro nos Jogos Pan-Americanos. Trinta anos depois, o legado da geração de Oscar, Marcel e Cia. continua vivo.

O estilo da seleção brasileira, com velocidade na transição, jogo coletivo e os arremessos de três como arma letal, se mostrou à frente do seu tempo e é praticado atualmente por diversas equipes pelo mundo, incluindo o Golden State Warriors, campeão da NBA. Cenário que enche de orgulho os personagens daquela histórica vitória sobre uma equipe que contava com jogadores que, anos depois, seriam dominantes na maior liga de basquete, como o pivô David Robinson.

“O mapa de arremesso do Golden State é idêntico ao nosso. Ou é arremesso de fora ou lá de dentro. A gente já fazia isso”, comentou Marcel, que anotou 35 pontos na final. “A vantagem do arremesso de três é que você abre o campo. Se você não marcar o arremesso de três qualquer time te arrebenta atualmente, porque até o pivô acerta bola de três. Se marcar, você joga lá dentro”, completou.

Armador titular daquela seleção, Guerrinha concorda com Marcel. “Ali tivemos uma mudança de conceitos no basquete. Antes era apenas jogo interno. A bola de três mudou tudo. Hoje é uma tendência na NBA. O Golden State abusa da bola de três como fazíamos”.

Reserva de Guerrinha, Cadum, que teve uma atuação fundamental na decisão do ouro contra os Estados Unidos, faz uso das estatísticas para comprovar o legado. “O mapa daquele jogo mostra que chutamos 25 bolas de três e atualmente uma equipe da NBA que não chuta 25 bolas de três não tem sucesso. Essa comparação é importante, são 30 anos de diferença. Deixamos alguma coisa para o basquete”.

Naquela final, o Brasil acertou 10 bolas de três pontos em 25 tentativas, um aproveitamento de 40%. Os norte-americanos converteram apenas dois de 11 chutes. “Sem contar as bolas que sofremos faltas no ato do arremesso e chutamos três lances livres”, relembrou Marcel.

Para o ex-jogador, ver o estilo de jogo daquela seleção sendo praticado hoje corrige um erro histórico. “Fomos criticados durante muito tempo até aparecer o Golden State. Agora o mesmo jogo é visto como coletivo”, afirmou. “No primeiro tempo (da final de 1987), nós fizemos 52 pontos e eu e o Oscar anotamos apenas 22. E os outros 30 pontos quem fez? Não tem jogo coletivo?”, questionou.

O problema, segundo Marcel, é que faltava treinamento aos jogadores que tentaram seguir os passos da geração de 1987. “Todo mundo quis arremessar de três sem ter o treinamento que tínhamos, sem acertar mil arremessos por dia. Eu fazia 90% nos treinos para acertar 45%, 43% no jogo, quando você está cansado, marcado…”

Cestinha daquele jogo com 46 pontos, Oscar, além de dizer que o “Golden State joga igualzinho a sua geração”, vê outro legado importante da conquista do Pan de 1987. A histórica vitória, segundo o “Mão Santa”, foi determinante para que os Estados Unidos fizessem pressão para que os profissionais da NBA passassem a atuar no basquete Fiba.

“Aquela vitória mudou o basquete mundial. Os americanos perceberam que tinha alguém jogando bem fora dos EUA, entraram em contato com o pessoal da Fiba e, em 1992, entrou em ação o Dream Team, o melhor time que já vi jogar na vida. Tudo por causa daquela vitória”, afirmou.

Para Guerrinha, o revés no Pan foi o primeiro golpe. “Foi um soco no queixo, ficaram tontos. Em 1988, perderam os Jogos Olímpicos em Seul (eliminados na semifinal pela União Soviética). Depois o Mundial, em 1990, quando levaram um banho da antiga Iugoslávia”, enumerou o ex-armador, hoje técnico do Mogi das Cruzes. Trinta anos depois, o legado daquela vitória improvável continua vivo.