A popular operação Lava Jato inspirou roteiros de cinema e televisão, mas recentemente acumula reveses que a privaram de algumas de suas principais armas, enquanto seus protagonistas, os procuradores de Curitiba e o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, balançam em seu pedestal.

A principal derrota foi sofrida este mês, quando mais de dez condenados da Lava Jato, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recuperaram sua liberdade graças à alteração da jurisprudência feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que ninguém pode ser preso antes de esgotar seus recursos diante das quatro instâncias do sistema judicial.

A operação que desde 2014 condenou dezenas de empresários e políticos envolvidos em uma enorme rede de propinas para obter contratos na Petrobras foi, portanto, privada de emitir sentenças de prisão após uma condenação de segunda instância, uma de suas principais armas em um país onde os processos são geralmente eternizados.

Essa decisão também enfraquecerá a eficácia das delações premiadas, outra de suas principais ferramentas, “à medida em que os réus que optam por delatar fazem isso pelo risco de serem presos”, explica o advogado Michael Mohallem, da Fundação Getúlio Vargas.

Mohallem nega que a maior investigação anticorrupção da história brasileira esteja ameaçada de morte, embora reconheça que “as últimas decisões do Supremo ainda podem criar essa impressão”.

“Mas a Lava Jato já se espalhou no Brasil e tem braços estaduais tão importantes quanto Curitiba” [onde nasceu], explica ainda.

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– “Suspeição” de Moro –

A Lava Jato poderá sofrer um golpe ainda maior se o STF decidir que Moro emitiu a primeira condenação contra Lula para tirá-lo da disputa presidencial em outubro passado, vencida por Jair Bolsonaro.

Essa ‘suspeição’ surgiu quando Bolsonaro nomeou Moro ministro da Justiça; e foi reforçada com a publicação no portal The Intercept Brasil de mensagens hackeadas que mostram sinais de um possível conluio indevido entre os procuradores e o ex-juiz.

Para o chefe da Força tarefa de Curitiba, o Procurador Deltan Dallagnol, as “elites econômicas e políticas” que são ameaçadas pela Lava Jato agora buscam “vingança”.

“Estamos na fase de vingança … para mudar as regras de Lava Jato e cortar a cabeça de seus líderes”, declarou Dallagnol em entrevista à AFP no final de setembro.

Os detratores de Lava Jato afirmam que a cruzada contra a corrupção enfraqueceu a garantia de presunção de inocência, destruiu o sistema político, favoreceu a vitória de Bolsonaro e arruinou empresas que garantiram milhares de empregos, em plena recessão econômica.

Entre as duas posições, há quem pense que Lava Jato mudou uma cultura permissiva ou resignada diante da corrupção e que agora estão tentando colocar limites ao “lavajatismo militante”.

“O STF percebeu que a Lava Jato tinha poder demais. Mas o legado histórico de Lava Jato vai ficar. Hoje o setor da construção e a Petrobras têm muito menos corrupção do que antes”, afirma Manoel Galdino, diretor executivo da ONG Transparência Brasil.

– OCDE preocupada –

As derrotas de Lava Jato não beneficiam apenas Lula.

Em março, o STF decidiu que os casos de financiamento ilegal de campanhas eram da órbita da justiça eleitoral e não da justiça comum, que trata de denúncias de corrupção, aliviando muitos ex-candidatos sob suspeita.


Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu as investigações com base em informações sobre movimentações financeiras obtidos sem autorização judicial.

Essa questão deve ser tratada esta quarta-feira pelo plenário do STF.

Essa liminar foi solicitada pela defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do chefe de estado, suspeito de integrar um sistema de desvio de salários na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a conhecida “rachadinha”.

Em setembro, a Câmara aprovou uma “Lei sobre abuso de autoridade” que prevê punições, incluindo prisão, para juízes que determinem injustamente prisões preventivas ou pressionem suspeitos para obter informações através de delações premiadas.

As duas últimas medidas alarmaram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que na semana passada exortou a justiça brasileira a “cessar imediatamente as ameaças à independência e à capacidade das autoridades públicas para combater a corrupção”.


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