16/03/2017 - 15:21
Por Beatriz Farrugia SÃO PAULO, 16 MAR (ANSA) – Considerada a maior operação contra a corrupção no Brasil, a Lava Jato completa três anos nesta sexta-feira (17) com fôlego para impactar não somente o futuro político do país, mas também de alguns vizinhos na América Latina. Apesar de ter sido iniciada em 17 de março de 2014 como investigação de uma rede de postos de combustível e lava jato que movimentava recursos ilícitos, a operação varreu dezenas de empresas além da Petrobras, provocando uma avalanche de desdobramentos e chegando a nomes de alto escalão da política brasileira, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já é réu em cinco processos. O conjunto de operações realizadas pela Polícia Federal está em sua 38ª fase, acumulando 730 mandados de busca e apreensão, 101 de prisão temporária, 91 de preventiva e 202 de condução coercitiva. Até o fim de fevereiro, a PF contabilizada 125 condenações, totalizando 1.317 anos e 21 dias de pena. Os crimes denunciados envolvem o pagamento de propina de R$ 6,4 bilhões, número que pode aumentar com os novos desdobramentos.
Além das ações no Brasil, a PF também fez 131 pedidos de cooperação internacional, o que expôs mundialmente um esquema de corrupção praticado por empreiteiras, doleiros e partidos políticos no Brasil. No ano passado, um dos alvos da Lava Jato, a Odebrecht, admitiu à Justiça dos Estados Unidos ter pago propina em ao menos 11 países além do Brasil, sendo que 9 ficam na América Latina: Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru e Venezuela. Na Argentina, a Odebrecht fez pagamentos ilícitos no valor de US$ 35 milhões a intermediários ligados a ao menos três projetos de infraestrutura entre os anos de 2007 e 2014, passando pelo governo de Cristina Kirchner.
Na Colômbia, a empreiteira gastou cerca de US$ 11 milhões com intermediários entre os anos de 2009 a 2014, envolvendo até o nome do presidente Juan Manuel Santos, que venceu o Nobel da Paz em 2016. De acordo com a Justiça dos EUA, na República Dominicana os subornos foram praticados ao longo de 13 anos, de 2001 a 2014.
No Equador, os subornos teriam sido pagos ao longo de uma década, entre 2007 e 2016, em troca de benefícios em obras no país.
A atuação da Odebrecht na Guatemala ocorreu entre 2013 e 2015, com gastos estimados em US$ 18 milhões em propinas. Entre 2010 e 2014, a empreiteira brasileira pagou um total de US$ 10,5 milhões a intermediários no México. Já no Panamá, o valor seria de US$ 59 milhões em subornos. Na Venezuela, a acusação é de pagamento de propinas a funcionários do governo de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro, que ainda está no poder. E no Peru, onde as investigações estão mais avançadas, a Odebrecht teria desembolsado verbas milionárias em propinas entre 2005 e 2014, sendo US$ 20 milhões para a construção da estrada interoceânica que liga o país ao Brasil. A promotoria peruana pediu a prisão do ex-presidente Alejandro Toledo e a empreiteira brasileira está proibida de operar no país. No entanto, somente após os EUA divulgarem a lista dos países envolvidos que cada nação latino-americana resolveu investigar as denúncias, o que evidencia um atraso na consolidação e independência das instituições de governo. Para o representante da ONG Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, a situação na América Latina é inédita, mas ainda é cedo para dizer se será um “divisor de águas” no combate à corrupção na região. “É inédito o modo como se revelou um esquema de corrupção envolvendo um grupo de empresas brasileiras e colocando em xeque todo o sistema na América Latina. Mas dependerá da maturidade e do fortalecimento das instituições de cada país para colher os frutos desse combate à corrupção”, comentou.
Segundo Brandão, quatro pilares permitiram que os esquemas de corrupção se alastrassem pelo mundo: privilégios concedidos a empresas no Brasil; diplomacia presidencial do governo Lula que facilitou a atuação destas empresas no exterior; concessão de verbas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as obras das empreiteiras brasileiras fora do país; e a atuação de marqueteiros como intermediários. No entanto, mesmo com a Lava Jato ultrapassando as fronteiras, o Brasil melhorou seu rendimento em 2016 no ranking de percepção da corrupção, estabilizando no 79º lugar, de um total de 176 países. Na avaliação geral, o Brasil ficou com 40 pontos, dois a mais que em 2015, em uma escala que vai de 0 a 100 entre “extremamente corrupto” e “muito transparente”.
“São duas imagens contraditórias que, ao fim, acabam se anulando: o Brasil como grande exportador de corrupção, devido à atuação das empreiteiras brasileiras na América Latina, e o Brasil como grande exportador de combate à corrupção, graças à força-tarefa da Lava Jato”, disse o representante da ONG, ressaltando que a opinião pública se divide nesses dois sentidos. Para o professor de relações internacionais da FGV e especialista em corrupção, Marcos Tourinho, a imagem do Brasil como “exportador de corrupção” pode ser facilmente consertada através de um trabalho diplomático e político no exterior. “Com esforço e com o tempo, é possível reverter essa imagem de país da corrupção, e não é difícil fazer isso. Se, por um lado, a Lava Jato está expondo o lado negativo do país, por outro, mostra que o Brasil está sendo limpo. Esse é justamente o argumento que o Ministério Público está tentando usar internacionalmente”, disse à ANSA. (ANSA)