Ontem, numa conversa de sebo, ouvi alguém chamar — talvez até com uma certa mágoa — à empresária Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, “a nossa princesa caída”. A frase me deixou pensando. Todas as três palavras, embora breves, eram enormes e pesadas. Nossa. Princesa. Caída.

Nossa! Espanto! Choque! Comoção! Como é que uma das mulheres mais ricas do mundo – a mais rica de África — de repente virou bicho?

Nossa! De repente até parece que a amiga de políticos e celebridades no mundo inteiro agora tem dengue. Nossa! Ainda no mês passado Isabel era passageira frequente das grandes cimeiras mundiais, convidada de Davos, inquilina de Hollywood! Nossa! Como isso foi acontecer?

Isabel dos Santos era venerada nos circuitos dos negócios internacionais como uma referência e um desejo. Até ontem, sentar na sua mesa era uma espécie de prémio, um privilégio de poucos, mas que todos os que vivem de negócios gostariam de ter. Quem disser o contrário esta mentindo.

Princesa. Aurélio Buarque de Holanda declara que princesa é filha de Rei. Nos tempos do absolutismo, filho de rei era herdeiro do poder e da riqueza. Em Angola — essa “monarquia” africana — esse título assenta a Isabel como uma luva. Ela usou o seu poder como numa monarca absoluta onde, apoiada por consultores de alta finança, pagos a peso de ouro, exerceu o direito à sua herança com a sofisticação da era moderna. Como tão escreve bem escreve Antonio Carlos Prado: Bilionária Isabel, Paupérrima Luanda.

A Isabel nada faltou das mordomias da realeza. Em público ela obteve respeito e reconhecimento. Vénias e beija-mão. Mas em privado provou o silêncio hipócrita e covarde de alguns que, fazendo negócios com ela, agora a acusam de roubar o seu povo.

Caída. Como os anjos que sucumbem ao poder, como os querubins que e se entregam às trevas e ao pecado. Isabel dos Santos é hoje a personificação humana de um satã a quem todos, nos butecos e nas mídias, atribuem a imagem maldita de um anjo caído.

Mas o que ainda não sabemos é quantos demónios ela vai arrastar do paraíso do dinheiro para o inferno da opinião pública. O que não podemos adivinhar é quantos políticos e empresários ela vai trazer junto na sua queda vertiginosa.

Uma coisa é certa — o Brasil sabe bem — a alta corrupção só é possível com a cumplicidade da elite. Mas tenhamos atenção! O Luanda Leaks, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que hoje decapita Isabel no mundo inteiro, até mostra como o banco de fomento alemão (KfC) era seu parceiro de negócios.

Achtung Baby! Será que o java-jato angolano vai começar? Ou é apenas a queda de um anjo?