Em 9 de abril, dois fuzileiros navais foram presos em São Paulo. Eles vinham da fronteira com o Paraguai e transportavam 30 quilos de pasta base de cocaína que seria entregue no centro. Em março, a Polícia Civil desbaratou uma quadrilha de tráfico de armas que atuava no Distrito Federal. Entre os envolvidos, militares da ativa e da reserva do Exército e da Aeronáutica. Em janeiro, um sargento foi pego pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) com 19 fuzis AR-15 e AK-47, pistolas, munições e R$ 3 milhões em drogas ocultas em um carro com placas falsas do Exército. Ele servia em Foz do Iguaçu (PR) e, envergando farda, seguia na Via Dutra para o Rio de Janeiro a fim de entregar a carga. Em dezembro, três tenentes da Marinha lotados no Rio foram detidos pela PRF em um ônibus que seguia de Ponta Porã (MS), fronteira com o Paraguai, para São Paulo. Em suas bagagens foram encontradas duas espingardas calibre 12 e três pistolas 9 mm com numerações raspadas, além de 1.260 projéteis.

As ligações entre integrantes da tropa com quadrilhas de traficantes podem constituir crimes graves, mas são miudezas em termos de valores quando comparados aos casos de corrupção envolvendo patentes elevadas, algo geralmente associado a políticos e agentes públicos civis. O Ministério Público Militar (MPM) estima que as falcatruas que investiga somem quase R$ 200 milhões. Há 59 denúncias envolvendo desvios acima de R$ 100 mil. Entre 2010 e 2017, foram condenados 132 militares de todas as patentes. E esse número pode subir à medida que outras investigações avancem. Essa constatação derruba a falácia de que as Forças Armadas seriam a reserva moral brasileira contra a corrupção.

Angra 3

O caso mais emblemático é o do vice-almirante Othon Pinheiro da Silva, um dos patronos do programa nuclear brasileiro. Ex-presidente da estatal Eletronuclear, após deixar a farda teria recebido R$ 4,5 milhões em propinas envolvendo obras da usina de Angra 3. Othon foi condenado a 43 anos na Lava Jato e, aos 79 anos, está em liberdade condicional para tratar de um câncer. Mas há roubalheira até maior. O MPM-RJ denunciou, em junho, onze civis e militares por participação em um esquema que teria desviado R$ 150 milhões em contratos entre o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e órgãos de apoio. As obras estavam sob coordenação do Centro de Excelência em Engenharia e Transportes (Centram), também do Exército. A maracutaia teria ocorrido entre setembro de 2005 e dezembro de 2010 e envolveu oficiais coordenadores do Centram, oficiais da reserva e civis que atuavam nas fundações Ricardo Franco, Trompowsky e Bio-Rio – esta última da UFRJ. Para cumprir 71 contratos, foram subcontratadas 14 empresas de fachada. Além dos civis, foram denunciados um coronel, hoje na reserva, um major e dois coronéis da reserva que atuavam nas fundações.

Não se trata de corrupção generalizada, mas também não são casos isolados. Em Recife, a promotoria militar conseguiu a condenação, em abril, de um tenente-coronel e dois civis que fraudaram contratos que geraram prejuízos de R$ 745 mil em obras no Hospital da Guarnição de Natal. O oficial foi condenado a três anos, seis meses e 20 dias, ainda que em regime aberto. Já o coronel que dirigia a instituição foi inocentado, mas o MPM recorreu. No Pará, as obras da BR-163 aos cuidados do 8º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) levaram à condenação no Superior Tribunal de Justiça Militar (STM) do coronel do Exército Carlos Alberto Paccini Barbosa, junto com um ex-tenente e cinco civis. Acusado, outro coronel faleceu durante o processo, que se arrastou por anos. O coronel Barbosa foi condenado a quatro anos de reclusão por desvios de R$ 4 milhões.

Entre 2010 e 2017, foram condenados 132 militares, derrubando a falácia de que as Forças Armadas são a reserva moral contra a corrupção

Quem achar que esses militares corruptos são fruto de uma sociedade civil que se perdeu, deve saber que na ditadura militar de 1964 foi ainda pior. Documentos do governo britânico descobertos há dois anos pelo pesquisador João Roberto Martins Filho revelam que a ditadura deixou de lado a denúncia de corrupção na Marinha durante a aquisição de seis fragatas nos anos 70. Os britânicos chegaram a oferecer uma indenização de 500 mil libras (R$ 15 milhões em dinheiro de hoje), o que foi recusado. Os descalabros não ficam só na esfera criminal. Na segunda 2, a Justiça Cível Federal de São Paulo exigiu que o Exército justifique uma licitação de R$ 6,5 milhões que incluiu a compra de caviar e duas toneladas de camarão a serem consumidas por oficiais e seus familiares em hotéis de trânsito da corporação. Em suma, ser militar não faz ninguém superior.