Há um momento de La La Land em que Ryan Gosling e Emma Stone, depois de se cruzar uma, duas, três vezes, começam a ficar. Ele fala do seu amor pelo jazz. Ela diz que não gosta. Gosling inflama-se. Faz uma defesa da sua paixão. Todo o tema do filme de Damien Chazelle está resumido nessa única cena. Mais tarde, Gosling terá outra discussão com o músico que contrata para integrar sua banda. O jazz carrega esse embate entre tradição e modernidade. Gosling venera os clássicos, mas como se chega aos jovens? E sem os jovens, se os velhos se vão, como se mantém a chama?

Chazelle está falando de jazz, mas também de musical, porque em seu filme também há esse embate entre tradição e modernidade. Ele cita o mestre Vincente Minnelli. Gosling e Emma, depois de uma festa, caminham no alto de um monte, com árvores ao redor. Caminham, mas de repente estão dançando – como Fred Astaire e Cyd Charisse na cena imortal de A Roda da Fortuna, citada por Santiago, o mordomo da família Salles, no documentário de João Moreira Salles. Bem antes disso, a abertura, aquela coreografia no trânsito, evoca Jerome Robbins, Amor Sublime Amor, ou West Side Story. Mas também tem ali algo de Bob Fosse, como as cenas de festa parecem derivadas do Rhythm of Life de Sammy Davis Jr. em Charity, Meu Amor.

Transição, modernidade

Minnelli é referido de novo, mais adiante. An American in Paris, Sinfonia de Paris. A cidade idealizada pelos pintores. A França, onde as pessoas amam jazz. E Jacques Demy, que amava o musical. La La Land reproduz a estrutura de Os Guarda-Chuvas do Amor, Les Parapluies de Cherbourg, que ganhou a Palma de Ouro de 1964. O casal ama-se, mas, às vezes, para conseguir o que querem, as pessoas precisam se separar. A vida é imperfeita, a arte é perfeita, ou pode ser. E, por isso, o primeiro encontro de verdade de Emma e Gosling é encenado duas vezes. Como foi e como poderia, ou deveria ter sido, para que a história, quem sabe, fosse perfeita.

Em Whiplash, seu longa anterior, já havia essa busca do artista pela perfeição. Chazelle, como bom americano, acredita na segunda chance. Ele reescreve a frase famosa de Demy (e Michel Legrand, seu compositor). Je vous attendrai toujours, Vou te esperar para sempre. A tragédia de Nino Castelnuovo, na obra-prima de Demy, é que Catherine Deneuve, ao contrário da promessa, não o espera. A frase agora é – Vou te amar para sempre, e é verdade. Um sorriso, um gesto quase furtivo, compensam o que a vida dá, e tira. La La Land pode até nem ser o melhor filme desta edição do Oscar. Os demais concorrentes principais – Manchester à Beira-Mar, Moonlight – ainda nem estrearam para que o cinéfilo possa compará-los. Mas La La Land beneficia-se de um fato, uma verdade básica. A Academia ama os musicais.

E o filme é lindo. Emma Stone é uma graça. Como aspirante a atriz, ela participa, dentro do filme, de vários testes. Muitas vezes, a câmera fica parada em seu rosto para mostrar o que ela tenta passar em sua interpretação, e depois a decepção, porque durante boa parte do filme os diretores de elenco não estão nem aí para ela. Emma interpreta. E canta, e dança. Ryan Gosling, ele, é um deus. Gosling virou cult em Drive, de Nicolas Winding Refn. É charmoso, é viril.

Vive dividido – tradição e modernidade. Leva a mocinha para ver Juventude Transviada, o clássico de Nicholas Ray. E depois a leva ao planetário de verdade, onde James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo sonham com esse lugar perfeito em que poderão viver com suas imperfeições. Gosling é moderno, mas tem a aura dos astros do passado. Você não precisa saber de nada disso para amar La La Land. Mas está tudo no filme. O mais demyniano que Demy não realizou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.