Hoje foi um dia bastante interessante. Pela manhã, durante conversa com um experiente jornalista, concordamos que certas colunas minhas me equiparam ao que eu mais combato, ou melhor, a quem eu combato. Explico.

O arruaceiro digital, disfarçado de vereador no Rio de Janeiro e também conhecido como Carluxo, fez o recorte do título de uma coluna minha e espalhou na horda bolsonarista. Em ordem unida, a manada foi babar de raiva na internet.

Em tempo: se cara feia e grito de fanático me assustassem, eu não teria passado 13 anos seguidos enfrentando a canalha petista. Aliás, é bom lembrar, aquilo sim era treta braba, pois Lula, o meliante de São Bernardo, era aprovado por nada menos que 87% do País.

O título e o conteúdo (da minha coluna) eram bem fortes, sim. Metaforicamente, conforme escrito, disse que Bolsonaro havia sido ‘expelido por uma cloaca’, ou algo assim. Procurem no Google e encontrarão facilmente, ou nos sites do UAI, Estado de Minas e da ISTOÉ.

O motivo da minha ira ao escrever era bastante justo, afinal, o sociopata homicida havia mandado suspender a vacinação de crianças e adolescentes, expondo-os à Covid-19, simplesmente porque ouviu falar alguma coisa, sobre alguém, no Zap da tia da sogra do Queiroz.

Porém, ainda que por um motivo justo, ao utilizar o linguajar tosco da bolsonalha, acabei, de forma involuntária, ratificando as mentiras que o devoto da cloroquina conta por aí: de que é perseguido pela imprensa, que apenas responde às agressões, etc.

REUNIÃO

Mais à tarde, em reunião virtual com um amigo advogado, ou advogado amigo, ou só amigo mesmo, tanto faz, falávamos sobre a tática dessa gente: trazer o debate para o nível mais baixo possível, onde são imbatíveis e nadam de braçada.

Falávamos de Steve Bannon e seus ‘apóstolos’ pelo mundo: Trump (EUA), Duda (Polônia), Orbán (Hungria), Erdogan (Turquia), Duterte (Filipinas), entre outros, e da armadilha criada pelo criminoso americano, difundida entre os extremistas de direita.

Em suma, essa grei ordinária cria teses e factóides de fácil aceitação popular – via de regra, em temas bem complexos -, apresenta inimigos imaginários e soluções simplistas, e atira tudo e todos na vala comum do ódio, da ignorância e da extrema agressividade.

Como pensar dá muito trabalho e debater civilizadamente é difícil; como aceitar as diferenças de pensamento incomoda e como fazer parte de um grupo unido, que luta bravamente contra o mal (imprensa, comunismo, medicina, ciência, etc.) dá prazer, a adesão é grande e garantida.

A partir daí, com a manada formada e aguerrida, qualquer tese arguida pelo líder – pelo mito! – torna-se verdade absoluta e fonte de todo o saber, e pobre daquele que ousar ser contra: ‘canalha, lixo, vendido, antipatriota, comunista, safado…’

Ao inventar uma mentira qualquer, espera-se que alguém vá contestá-la, e, tão logo o faça, a máquina do ódio entrará em operação, com seus robôs – e bovinos reais – e disparos em massa para grupos, ou melhor, seitas fanatizadas.

ARTIGO

Agora à noite, lendo um artigo da brilhante Eliane Brum – e discordo de boa parte do que ela escreve – me deparei com o tema o qual conversei mais cedo com os interlocutores acima. Ela defende uma certa, digamos, mudança de rumo.

Eliane diz que, ao contrário do que a maioria das pessoas e da imprensa pensam, Bolsonaro foi o grande vencedor, após seu discurso infame na ONU, ainda que tenha mentido como um louco e feito propaganda de curandeirismo tupiniquim.

A articulista não está errada! Ela entende que o discurso do maníaco do tratamento precoce foi divulgado (traduzido!) para o mundo todo, e que um dos eventos mais importantes do planeta serviu de palco para as ideias alopradas do extremista brasileiro.

Eliane, trocando em miúdos, lê o ocorrido da seguinte forma: Jair Bolsonaro usou a tribuna da ONU como holofote para suas mentiras e devaneios, e sua seita no Brasil ficou ainda mais orgulhosa de seu mito, que os representou brava e dignamente, perante o mundo que não conhece a verdade.

Para piorar – ou melhorar, sob a ótica do mal -, é capaz até de o discurso ter encontrado mais algumas orelhas pontudas, convertendo, assim, alguns novos idiotas. Ou seja, quem ainda não conhecia o amigão do Queiroz, talvez tenha conhecido. E gostado!

Se a jornalista tem ou não razão, cabe aos leitores decidir. Pessoalmente, tendo a concordar e a discordar, e como já nos ensinou uma certa ‘presidenta’: nem quem concordar vai concordar, nem quem discordar vai discordar, todos vão concordar e discordar.

ARMADILHA

A armadilha consiste justamente no que a Eliane chamou a atenção. Ora, a única alternativa existente para não ‘dar palanque’ aos extremistas e malucos mundiais, seria proibir suas participações em eventos como a Assembleia Geral da ONU.

Ocorre que, sendo assim, a proibição apenas reforçaria a tese de perseguição, de opressão, de luta do bem contra o mal e blá blá blá. Seria um ‘prato cheio’ nas mãos de gente como Bannon e os bolsokids das rachadinhas. O discurso estaria sendo reforçado.

E é exatamente isso que ocorre quando eu ‘apelo’ e parto para o enfrentamento ‘de igual para igual’ com essa gente. Se eu e a maioria absoluta da imprensa livre ficarmos quietos e não combatermos as mentiras e os absurdos que espalham, o que dizem se tornará verdade.

Mas se os combatermos no campo das ideias, em nível elevado, de forma cordata, ou seja, civilizadamente, ninguém dará bola; ninguém irá nem sequer saber. Já se subirmos o tom – e aí sim o ‘bicho pega’ -, acabaremos corroborando o discurso vitimista e mentiroso.

É o tal ‘se correr o bicho pega; se ficar o bicho come’. Se Bolsonaro falar sozinho, sairá vencedor. Se não deixarem ele falar, sairá vencedor. Se for combatido de forma civilizada, sairá vencedor. Se for combatido no próprio terreno, sairá vencedor.

É claro que essa ‘vitória’ se dá exclusivamente dentro da ‘bolha assassina’ que lidera. Mas essa bolha é enorme e tem potencial de expansão, pois, como ensinou o gênio imortal, Albert Einstein, ‘o universo e a estupidez humana são infinitos’.

Se alguém descobrir alguma maneira inteligente e civilizada de enfrentar o populismo extremista – seja de esquerda ou de direita, bolsonarista ou lulopetista -, nestes tempos de redes sociais abundantes e fake news instantâneas, por favor me avise.

Do contrário, ao menos até que os nazifacistoides ou me matem ou me prendam, a chinela continuará cantando alto e em bom som. Para a alegria dos Carluxos da vida, matéria-prima para a ração diária do gado manso, se depender de mim, não faltará.