Mozart ainda trabalhava na composição de A Flauta Mágica quando recebeu uma encomenda: escrever uma nova ópera para marcar a coroação de Leopoldo II como rei da Boêmia. O tema vinha sob medida para a ocasião: a história de Tito Vespasiano, rei de Roma entre 79 e 81 d.C., conhecido pelo seu senso de justiça.

“Não me parece exagero imaginar que o tema tenha atraído Mozart em especial, o modo como ele mexeu no texto prova isso”, diz o maestro alemão Felix Krieger. “O que é justiça, o que significa ser um bom governante? São essas as perguntas que a ópera colocava em 1791, e convenhamos que seguem profundamente atuais em um mundo em que o populismo ganha cada vez mais espaço. Logo na primeira cena, o comandante da guarda oferece a Tito uma lista de pessoas contra seu poder, e sugerem a ele que os mande matar, o que ele se recusa terminantemente a fazer.”

Krieger assina a direção musical e a regência de uma nova produção de La Clemenza di Tito, que estreia nesta sexta-feira, 26, no Theatro São Pedro, que abre sua temporada lírica após período de indefinição marcado pelo corte de verbas que havia sido proposto pelo governo do Estado – o teatro chegou a considerar fechar as portas.

A concepção cênica, por sua vez, é do diretor Caetano Vilela. Se sua leitura não é necessariamente política, não deixa de chamar atenção para o fato de que, em suas palavras, “estamos sempre em obras” como sociedade. Os cenários são construídos a partir de andaimes que dividem o palco em vários planos, trabalhados pela luz.

“Tenho usado esse tipo de cenário em vários trabalhos meus com ópera, por alguns motivos”, ele explica. “Há o custo baixo e a questão de que não há espaço para se armazenar produções, que acabam se perdendo. Os andaimes podem ser alugados e devolvidos. E me permitem mais liberdade em termos estruturais”, lembra ainda.

Mas existem também razões artísticas. “O fundo do palco, de tijolos, evoca o Coliseu, que foi construído pelo pai de Tito e inaugurado por ele. Estive há pouco em Roma e me chamou atenção como essas estruturas do passado estão sempre seguradas por andaimes, em constante renovação e preservação”, diz o diretor.

Isso permite a ele desconstruir o contexto histórico, separando o palco em diferentes planos, associados a personagens, sempre com a preocupação de manter o fluxo narrativo. “Entendo que papel do diretor, independentemente do modo como trabalho ou interpreto a obra, é deixar ao público uma interrogação.”

A ópera de Mozart aborda as idas e vindas amorosas em torno da figura de Tito (o tenor Caio Duran), que promete se casar com uma princesa estrangeira (Servilia, a soprano Marly Montoni), despertando a fúria de Vitellia (a soprano Gabriella Pace), filha do antigo imperador, que pede a Sesto (a mezzo-soprano Luisa Francesconi), por ela apaixonada, que o mate. E esse é, claro, apenas o ponto de partida da trama, que conta ainda com Annio (amigo de Sesto, a mezzo-soprano Luciana Bueno) e Publio (comandante da guarda, o baixo-barítono Saulo Javan).

“Do ponto de vista do texto, a Clemenza é mais irregular se comparada com Don Giovanni ou A Flauta Mágica, até porque o resultado final é fruto da colaboração de vários autores”, diz Vilela, que fez alguns cortes nos recitativos, trechos falados com acompanhamento musical. “Mas há uma evolução interessante no modo como Mozart constrói as árias, os duetos. E meu foco está justamente na direção de atores, na construção das personagens”, afirma o diretor.

“Árias como as de Sesto ou de Vitellia estão entre as melhores coisas que Mozart escreveu. Estamos falando de Mozart em seu último ano de vida, repleto de obras magníficas”, completa Krieger.

LA CLEMENZA DI TITO

Theatro São Pedro. Rua Barra Funda, 161, tel. 3667-0499.

Estreia 6ª (26), 20h.

R$ 15 a R$ 80. Até 5/5

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.