Reinhart Koselleck (1923-2006) é um clássico contemporâneo da historiografia. Um autor que abre debates centrais para todos os pesquisadores de ciências humanas.

Mais uma joia desse autor está disponível: Histórias de Conceitos: Estudos Sobre a Semântica e a Pragmática da Linguagem Política e Social. Trata-se da quarta obra de Koselleck publicada pela Contraponto, além de Crítica e Crise (1999), Futuro Passado (2006) e Estratos do Tempo (2014), posicionando-se como principal editora do autor no Brasil.

Conta com contribuições de Ulrike Spree e Willibald Steinmetz e posfácio de Carsten Dutra sobre os fragmentos introdutórios de Koselleck. A excelente tradução, assinada por Markus Hediger, é aprimorada pela revisão técnica e o prefácio esclarecedor de Bernardo Ferreira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e de Arthur Alfaix Assis, da Universidade de Brasília (UnB).

CONCEITOS. Como definem Ferreira e Assis, o empreendimento de Koselleck consiste em diferenciar a forma tradicional da “história das ideias” da “história de conceitos”, bem como distinguir esta da “história social”. Ademais, demarca diferenças entre sua abordagem e a realizada pela chamada “análise do discurso”. Outro contraste (polêmico e instigante) é entre a “história de conceitos” e as “histórias de conceitos”, no plural, chave desta obra. Pode parecer uma sutileza, mas essa flexão altera tudo.

Estas diretrizes se apresentam na primeira parte. Alinhado a Wittgenstein e à filosofia da linguagem, os conceitos descrevem “estados de coisa”, não estruturas reais. Nesse sentido, os conceitos são molduras espaciotemporais. As designações de cada conceito são circunstanciais, mas os conceitos não o são.

PLURAL. Se os conceitos se esgotassem em sua enunciação temporal, ao usar um mesmo termo estaríamos a todo momento usando conceitos diferentes, uma contradição que inviabilizaria a própria prática da historiografia. Por isso, quando falamos em “revolução”, “emancipação”, “progresso”, “declínio”, “decadência”, “utopia”, “inimigo”, “crítica”, “crise”, estes não envelhecem. São os estados de coisas descritos por conceitos que envelhecem, pois não descrevem mais realidades efetivas (Wirklichkeit), como diria Hegel. Não por acaso, o grande filósofo do Idealismo é uma das fontes do termo “histórias de conceitos”, no plural.

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Os conceitos não envelhecem porque são unidades formais. Dizer que os conceitos são tão transitivos quanto o tempo é enunciar a invalidez de qualquer conceituação que transcenda o tempo em que os mesmos foram (ou virão a ser) enunciados. Isso é um “desleixo lógico”, segundo o eufemismo de Koselleck.

Por meio de “distinções analíticas”, todos os eventos ocorrem em um cruzamento entre as dimensões linguística (cultural) e extralinguística: geográficas, biológicas, zoológicas, geológicas, climáticas, dentre tantas outras que envolvem a “história” da Terra. Estas condições pré-linguísticas podem ser chamadas de meta-históricas.

LINGUAGEM. Esta é uma das contribuições mais fascinantes do historiador alemão. Diferentemente da conhecida definição de Hayden White, para Koselleck a meta-história não se refere às estruturas ficcionais imanentes a toda historiografia. Pode ser definida, sim, como todas as “determinações formais” que os humanos compartilham com os animais, por exemplo. E nós, humanos, tendemos a “transformar linguisticamente” essas predeterminações meta-históricas que não podem ser inteiramente “dominadas pela linguagem”.

A segunda e a terceira partes analisam alguns conceitos e suas histórias, como a linguagem do Iluminismo, uma das especialidades de Koselleck e tema do brilhante Crítica e Crise. A quarta parte aborda o campo mais restrito da história constitucional.

Na quinta e última parte, Koselleck investiga a dissolução da “casa como unidade de dominação estamental” e observa a transformação jurídica de conceitos como “casa”, “família” e “domesticidade”. Restringe-se à Prússia, entre a Revolução Francesa e 1848.

Seja nas ciências humanas ou nas ciências naturais, nenhuma teoria sobrevive sem se apoiar em uma metateoria. Ou seja: sem refletir sobre suas próprias condições, limites e possibilidades conceituais. Essa atividade metacognitiva pode ser chamada de epistemologia ou de metafísica. Nenhuma ciência consegue avançar sem recorrer a elas.

Em tempos de obscurantismo, anticiência e deslavadas deformações da história, a obra de Koselleck é monumental e urgente. Ela nos ajuda a compreender nossa historicidade profunda. E, ao mesmo tempo, quais as diversas temporalidades subjacentes a essa autocompreensão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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