[posts-relacionados]Num ano que produções do cinema brasileiro receberam muito reconhecimento internacional, o Brasil aposta em “A vida invisível” para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Baseado no romance “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, o enredo acompanha a vida das irmãs Guida e Eurídice, separadas no Rio de Janeiro dos anos 1950 e que passam seus anos tentando se reencontrar.

Karim Aïnouz, o diretor de “A vida invisível”, falou à ISTOÉ horas antes de exibir o filme em Los Angeles para a Hollywood Foreign Press, que escolhe os indicados ao Globo de Ouro. Confira:

 Por que optou por um melodrama nessa fase da carreira?

É algo que sempre quis fazer na minha vida. Fui criado vendo novelas da Janete Clair, vi muito cinema da sessão da tarde e sempre tive muita vontade de fazer isso. Quando eu comecei a fazer cinema, há uns 25 anos, eu estudei muito melodrama no sentido teórico e vi muitos filmes. Sempre achava que era um gênero meio cafona, mas fui ficando mais velho e entendi que eram filmes que tinham uma contundência política mais importante. Achei que era uma aventura nova, o que pra mim no cinema é sempre importante não se repetir e não ficar em um lugar de conforto. Outra coisa importante era fazer um filme que falasse com um publico maior. Acho que gênero é um atalho muito bom para isso, porque o público reconhece os elementos que estão sendo postos na história. O cinema tem contundência não só pelo que ele diz, mas como ele chega nas pessoas, entende? Nos últimos anos eu fiquei revendo muitos filmes e, puxa vida, era tão importante para eu fazer um filme que as pessoas saiam de casa para ir ao cinema. Comecei a entender que as pessoas saem de casa para isso porque elas querem sentir algo diferente, elas querem ser sacudidas de algum jeito. Eu acho que o melodrama faz isso. Se ele for bom, você não sai de um do jeito que entrou. Ele te faz questionar o mundo. Nesse momento histórico é importante. Com quanto mais gente falarmos, melhor.

Como o filme ressoa no Brasil de hoje? Quando produziram já vislumbravam esse diálogo?


É engraçado. Quando começamos o projeto, que eu li o livro, foi algo muito pessoal. Eu queria fazer um retrato de mulheres da geração da minha mãe. Ela teria 90 anos se estivesse aqui hoje. Sempre achei que eram mulheres que passaram por momentos muito complicados com relação ao machismo e a uma sociedade mais conservadora e que são pouco representadas. São mulheres que estão vivas, entre 80 e 90 anos, que vivem entre a gente e que passaram por coisas muito difíceis. O filme é muito especifico sobre duas personagens, sobre a Guida e a Euridice, não é sobre as mulheres e geral, mas acabou sendo. Quando eu achei que estava fazendo o retrato de alguém que eu conhecia muito, a minha mãe, através dessas personagens, por exemplo, das amigas dela e da geração dela, eu não tinha um desejo programático de falar do patriarcado. Queria falar de cumplicidade entre as mulheres. Só que um filme vai respirando no seu tempo, são três anos de desenvolvimento. Na medida em que ele foi sendo executado e ficando pronto, essas questões importantes viraram centrais nas pautas políticas, não só no Brasil, mas no mundo. Claro que o filme foi contaminado por isso. O que tem um sentido muito forte é que não é a história da minha mãe, é de todas as mulheres daquela geração e isso toca muito as pessoas, e aborda também algo que falo muito, é o quão tóxico que o machismo pode ser para as pessoas. O filme também fala de como o machismo é nocivo no momento em que vivemos hoje. Ele não chega como um programa político no público, ele tem essa questão, porque o patriarcado é estrutural e pauta tudo o que vivemos, mas é muito pensado através das emoções daquelas duas personagens. Quando temos personagens enxergando dilemas verdadeiramente universais, mas que são muito específicos, é possível chegar no publico.

A escolha da Fernanda Montenegro está no contexto das mulheres desta geração?

Era muito importante reencontrar a Eurídice hoje. Ela está viva, na praça da Tijuca e em vários lugares do mundo. A Fernanda foi muito imediato. Algo que acho lindo na personagem da Eurídice, e que a Fernanda também tem é que, apesar de tantos percalços, ela tem uma dignidade muito grande. A Fernanda, além de ser uma grande atriz, tem algo maior que tudo isso. Era importante ver uma mulher que passou por essas coisas, mas que não está frágil.

Quais as chances de uma indicação do filme ao Oscar, estão confiantes?

A campanha do Oscar é por um prêmio, mas ela em si já é uma jornada muito importante porque não é só desse filme, mas do cinema brasileiro. Claro que seria maravilhoso ser indicado, seria um sonho ganhar, mas já estou muito feliz com o que está acontecendo. É um momento tão importante de podermos falar do cinema brasileiro, que sentimos muito orgulho. Vejo isso como uma oportunidade de dialogar com a indústria sobre o cinema brasileiro. É muito importante ter jornalistas estrangeiros aqui vendo o filme. É importante falar de Oscar sim, é o reconhecimento da indústria do cinema brasileiro. Já tivemos o reconhecimento artístico nos festivais, mas na indústria também é necessário. É que nem campanha eleitoral. Pode ser que não seja eleito, mas com certeza já se torna um jogador conhecido nesse jogo. Vejo dessa maneira com muita serenidade, mas com muito sangue nos olhos. É uma alegria poder fazer isso representando um time tão incrível que é o do cinema brasileiro agora.

Eventuais comparações com Bacurau podem afetar a campanha?

Aqui fora não tem tido nenhuma comparação. Acho isso bom. Criou-se num determinado momento que seria um filme contra o outro. Imagina! Não existe isso na hora que tem um filme representando um País. Comparações como essa seriam constrangedoras. O que acho bom é que existam filmes ótimos como “Bacuaru”, como “A Voz do Silêncio” e como “Pacificado”. Existe tanta polarização na política e no cotidiano do Brasil, e acho bom que no cinema não tenha isso.

Você considera que está no seu auge como diretor?

Eu não, senão estou me considerando velho. Acho que estou num momento bom, é meu sétimo longa, já fiz muitos curtas e documentários então você vai aprendendo a manobrar. O que acho é que estou no meu auge de energia. Eu não estudei cinema, eu fui aprendendo a fazer cinema. É um oficio, é muito prazeroso que eu trabalhei muito e acho que consigo hoje ter mais ferramentas. Eu quero fazer um filme por ano agora. Estou no auge da vontade.