Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte de 2017 a 2022, se filiou ao PDT com o objetivo de ser novamente candidato ao governo de Minas Gerais. Além das afinidades ideológicas, creditou a escolha à independência em relação ao governo Lula (PT) e liberdade para “votar de acordo com o que pensa“.
Sua posição quanto a Jair Bolsonaro (PL) é conhecida. Na pandemia de covid-19, adotou políticas recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para combater a disseminação do vírus na capital mineira, ao contrário do que pregava o então presidente. Conhecido pela contundência, caminhou para a oposição.
As críticas a Lula são mais novas. Em 2022, Kalil deu palanque ao petista no primeiro turno em Minas, quando foi derrotado pelo governador Romeu Zema (Novo). Desde então, não voltou a conversar com o presidente e equiparou, nesta entrevista à IstoÉ, suas posições na política internacional à militância de seu antecessor pela anistia a “vândalos e golpistas” que participaram do 8 de janeiro.
Mudar a rota não é novidade para o ex-prefeito, que acumula inimizades na política, deixou PSB, PHS e PSD e não apoiou Fuad Noman (PSD, morto em março), que era seu vice e o sucedeu no cargo, na campanha que o reelegeu em Belo Horizonte. Neste sentido, o discuso crítico a petismo e bolsonarismo remete ao mote “não vote em político, vote em Kalil” que embalou sua primeira eleição, em 2016, no ápice do discurso antipolítica no país.
Mas também projeta seu próximo passo na política. Embora esteja inelegível, o ex-prefeito pretende concorrer a governador em 2026 contra os senadores Cleitinho (Republicanos), que deve ser apoiado por Bolsonaro, e Rodrigo Pacheco (PSD), por Lula. Em segundo lugar nas pesquisas, Kalil toma o “caminho do meio” e parece confortável com isso.
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Leia a entrevista na íntegra
IstoÉ Com a filiação ao PDT, o senhor coloca o ‘bloco na rua’ para a eleição de 2026?
Kalil Eu fui convidado mais de uma vez a entrar no PDT, dessa vez foi um convite direto do Carlos Lupi [presidente nacional da sigla e ex-ministro da Previdência de Lula]. É um partido com o qual sempre tive boa relação, foi situação no meu governo e caminhou comigo nas minhas duas eleições. Como prefeito, apoiei Ciro Gomes à Presidência da República [em 2018, pelo PDT], então não é um negócio que nasceu do dia para a noite.
Essa oportunidade se concretizou agora porque, por uma questão ética, deixei o PSD. Não fiquei confortável em ficar no partido sem apoiar seu candidato à prefeitura [Fuad Noman], ainda que o Gilberto Kassab [presidente nacional do PSD] nunca tenha me pedido para sair, pelo contrário.
No PDT, tudo caminha para a gente construir uma candidatura. Não quer dizer que vá dar certo, que esteja resolvido, mas é um passo muito importante, em especial porque chegaram a cogitar que eu não fosse candidato porque não tinha partido, o que definitivamente não aconteceria. Agora, eu parei de voar solo. Mas acho que a opção é porque, além de toda a relação, é um partido que está desembarcado. Ele não está no “centrão”, não está no governo [Lula], vota de acordo com o que pensa.
“O PDT é um partido que está desembarcado. Não está no ‘centrão’,
não está no governo Lula, vota de acordo com o que pensa”.
IstoÉ O senhor deu palanque ao presidente Lula em Minas Gerais. Não há pretensão de que essa aliança se repita?
Kalil Estar em um partido impõe conveniências e inconveniências. Tive várias conversas com o Carlos Lupi, mas estou muito novo [no PDT] para radicalizar, dizer que isso ou aquilo eu não faço. Ninguém vai me obrigar a subir no palanque de ninguém, mas eu também não tenho autoridade para definir quem o PDT vai apoiar.
O desembarque do governo não é a coisa mais importante nessa filiação, mas a história do PDT, onde ele caminhou a vida inteira, minha proximidade com Ciro Gomes, apesar dos problemas no Ceará [o ex-presidenciável está de saída da legenda e deve ir para um partido da centro-direita, como reportou a IstoÉ], inclusive pretendo visitá-lo.

Kalil posa ao lado de Lula em 2022, quando firmaram aliança: ‘Não tenho autoridade para definir quem o partido vai apoiar’
IstoÉ Pelo governo de Minas, o senhor é o candidato de centro, no cenário contra Pacheco e Cleitinho?
Kalil Não é minha opinião, é o que está colocado. O próprio Lula diz que o candidato dele é o Rodrigo [Pacheco], e o Cleitinho foi eleito pelo Bolsonaro, até porque a notícia que se tem é que o governador se lançou para presidente e, com isso, já está descolado do PL [com a pré-candidatura de Zema ao Palácio do Planalto, o vice-governador Mateus Simões (Novo) deve ter mais dificuldades pelo apoio do bolsonarismo ao governo].
Mas ainda virão outras candidaturas, temos que lembrar que não estamos no segundo turno. Nós vamos conversar com o diretório, o Lupi, a Duda [Salabert, deputada federal], o Mário Heringer [deputado federal], para ver o que vai ser feito em matéria nacional. Mas o que está colocado é que tem um candidato de Lula e outro do Bolsonaro.
“Pacheco é o candidato de Lula, e Cleitinho, do Bolsonaro.
Isso está colocado, não é minha opinião“.
IstoÉ Tanto os candidatos de Lula e Bolsonaro quanto o senhor não representam a continuidade do governo Zema. Como o senhor avalia o trabalho do governador? É uma boa plataforma para que ele concorra a presidente?
Kalil Não. A plataforma do governo é se agarrar em esquerda e direita, porque depois de oito anos, há muito pouco para mostrar. Nós estamos falando de uma dívida de R$ 120 bilhões, que foi transformada em R$ 180 ou R$ 190 bilhões, ninguém sabe ao certo.
O governo viveu do soterramento da Vale. Todo dinheiro que o governo de Minas teve é graças à morte de 300 pessoas soterradas em Brumadinho, não houve enxugamento ou gestão. Houve uma máquina publicitária espetacular, muito bem feita. Em qualquer número, foram promessas de estrada, hospitais, Rodoanel. Lá se vão oito anos, e nada saiu do papel. É um governo tímido, medíocre, que não vai ter nada para mostrar.
Na época da pandemia, os prefeitos tiveram que se virar. O governo do estado construiu um hospital de 700 leitos, em que nunca entrou um paciente. Quando a chuva devastou a capital, o governo do estado não entrou com um real. Nós reconstruímos a cidade em seis meses. Quando a vacina foi comprada pelo governo federal para ser entregue aos prefeitos, ele [Zema] apareceu no aeroporto para receber. Isso ilustra muito bem esse governo, que não existe.

Romeu Zema, governador de Minas e aliado de Bolsonaro: para Kalil, seu governo tem ‘pouco para mostrar’
IstoÉ E a administração de Belo Horizonte, depois da sua saída, como o senhor avalia?
Kalil O prefeito está muito novo no cargo [Álvaro Damião, do União Brasil, assumiu após a morte de Fuad Noman], e a gente só poderá avaliar mais para frente, seria injusto avaliar agora. O problema é que essa é a segunda gestão seguida de um prefeito que não foi eleito e, portanto, tem menos compromisso com a população.
Mas ele está conversando. Mesmo sendo da extrema-direita, está conversando com o presidente Lula, que inclusive esteve em Belo Horizonte nessa semana.
IstoÉ O senhor conversou alguma vez com o presidente desde a eleição de 2022?
Kalil Não.
IstoÉ E como avalia o trabalho do governo Lula?
Kalil O governo está num ótimo momento, porque arrumou essa lambança do tarifaço do Trump [as sobretaxas de 50% impostas pelo governo dos Estados Unidos aos produtos brasileiros] e vai poder olhar mais para dentro. Nós vamos poder fazer uma avaliação mais completa quando acabar essa história [do tarifaço], porque nada de mais grave vai acontecer com o Brasil. Os principais impactos são na exportação de café, carne e madeira, e nós temos 214 milhões de pessoas para pensar numa reposição de consumo, o país não vai entrar em bancarrota por isso.
Quando isso acabar, nós vamos poder avaliar. O momento é de Alexandre de Moraes [ministro relator dos processos pelos quais Bolsonaro é julgado no STF], direita, esquerda, anistia e democracia, mas isso não coloca comida na mesa ou garante atendimento médico a ninguém. Isso é ótimo para a imprensa e para a elite; para nós que temos picanha no domingo, café à vontade, plano de saúde. Para quem passa por dificuldades, não resolve nada.
Por outro lado, também não adianta [aos governistas] falar que o povo não está pedindo anistia nas ruas para bater em um lado, porque o povo também não está pedindo para xingar o Trump. São duas pautas que não interessam a ninguém, não colocam comida na mesa de ninguém: anistia para golpistas e baderneiros de um lado, e abraçar a Índia para cuspir nos Estados Unidos do outro.
“O povo não está pedindo anistia, mas também
não está pedindo para xingar o Trump“.
IstoÉ Depois da derrota para o governo, o senhor ficou sem partido e apoiou um candidato derrotado [Mauro Tramonte, do Republicanos] em Belo Horizonte. Houve algum erro nessas escolhas?
Kalil Se eu tivesse tomado tantas decisões erradas, não estava na posição em que apareço nas pesquisas, mesmo sem fazer barulho ou dar entrevistas. Não acho que minha trajetória esteja manchada por escolher apoiar outro candidato à prefeitura. Eu apareci em sete segundos [na propaganda eleitoral], não contribuí com dinheiro ou tive voz na campanha [de Tramonte].
Agora, estou surpreso [com os resultados das pesquisas], porque não sou ninguém na internet, não dou opiniões para aparecer e nem sequer estava dando entrevistas, porque não tinha motivo. Agora que sou candidato, posso falar. Posso falar que perdi a eleição para uma fraude [Zema], um festival de mentiras, uma máquina de propaganda, que promete entregar hospitais sem saber quanto vai custar.
Eles entregam ladrilho, parede e equipamento, porque não sabem o custo de manter um hospital. Na prefeitura, eu construí um centro de saúde a cada dois meses. É sobre administração, não esquerda e direita. Essas pessoas não sabem fazer um pavimento, um recapeamento, uma duplicação. Cortar fita é a coisa mais fácil do mundo.
IstoÉ O senhor teve embates com o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) quando ele era vereador, mas recentemente o elogiou, apesar dele ter uma atuação exclusivamente dedicada a pautas ideológicas. Mantém esse elogio?
Kalil O Nikolas é um fenômeno na internet. Ele nasceu para o negócio, e ponto final. No Legislativo, há espaço para a pauta de costumes, porque a função não é construir um hospital, duplicar uma estrada, tomar conta das merendas. O Legislativo formula as leis para o Executivo executar, função que ele nunca teve.
O Nikolas foi um vereador de oposição. Uma vez falei que ia “dar umas palmadas” nele, durante a pandemia, em uma chamada de vídeo, mas não passou disso. Ele se comportava como um vereador de oposição. Ele também publicou o vídeo de um “Lucas Kalil” em uma balada, disse que era meu filho, e se deu mal [não era], retirou e pediu desculpas.
Não se pode menosprezá-lo, é um deputado de 1,5 milhão de votos, mas precisa ter o cuidado de não envolver a vida pessoal dos adversários e de perceber que é presa fácil em debate — como todo extremo, de esquerda ou direita. Mas ele é uma estrela justamente porque é extremo, e largar isso seria burrice. Uma coisa que o Nikolas não é, é burro.
“Nikolas é uma estrela justamente porque é extremo.
Largar isso seria burrice, e ele não é burro“.
IstoÉ O senhor está fora de um cargo público há mais de três anos e falou sobre essa exposição da vida privada que a política impõe. Como se prepara para voltar a enfrentar isso em 2026?
Kalil As campanhas de que participei foram muito duras, mas não houve esse tipo de ataque. Desde o Atlético Mineiro [clube que presidiu de 2008 a 2014], minha vida foi toda devassada, fui investigado. Na política, Belo Horizonte ganhou como a cidade que melhor combateu a pandemia no país, sem qualquer desvio ou irregularidade. Não tenho processo de improbidade administrativa, corrupção, uso privado do dinheiro público. Meu patrimônio está aí, declarado.
Eu não tenho medo de nenhum candidato. Se quiser levar em um bom nível, nós levamos. Se quiser conversar, conversamos. Se quiser debater, debatemos. Se quiser falar de livro, como falaram do Fuad, falamos. Se quiserem sair na porrada, saímos na porrada. A última pessoa de quem tive medo foi meu pai, que morreu em 1993.