A conversa entre o presidente Jair Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) resume o que há de mais patético na política brasileira atual. Nada se salva no episódio. As motivações do bate-papo são erradas, o conteúdo das falas é horrível e a divulgação é um espanto. Mas como os dois aloprados são também dois varões da República, o Brasil perdeu um dia precioso a discutir o assunto.

Kajuru ligou para Bolsonaro por carência. Queria que Bolsonaro o elogiasse, que o retirasse da vala comum do Senado. Segundo o senador, trata-se de um “direito”.

Mas o que distinguiria Kajuru entre os seus pares? O fato de haver encaminhou ao Supremo uma das petições mais tolas já feitas por um parlamentar – aquela que exige que o tribunal ordene ao Senado abrir um processo de impeachment contra um ministro da própria corte. Seria uma retribuição pelo fato de o STF haver determinado a instauração de uma CPI.

A petição é tola por razões jurídicas. Como já comentei aqui na sexta-feira passada, além do texto bastante claro da Constituição, existe uma jurisprudência bem estabelecida do Supremo dizendo que os presidentes da Câmara e do Senado não podem fazer juízos de oportunidade sobre CPIs. Cumpridos os requisitos formais, elas têm de ser instauradas.

Acontece o contrário com processos de impeachment: os presidentes das Casas não só podem como devem fazer um juízo de oportunidade política. Falando claramente, instauram o processo se quiserem. Assim, o Supremo teria de cassar uma prerrogativa do presidente do Senado para forçá-lo a abrir um impeachment contra um ministro do STF. O caso é tão cristalino que não creio que haja surpresas, mesmo a relatoria tendo caído nas mãos de Kassio Nunes.

Mas também por razões políticas a petição é tola. Uma resposta positiva à petição de Kajuru causaria a judicialização absoluta da política brasileira. Concentrariam um poder imperial nas mãos dos ministros do Supremo, que poderiam ordenar impeachments uns contra os outros e… adivinhem contra quem mais? Vou dar só uma pista: qua quase 150 pedidos contra Jair Bolsonaro engavetados na Câmara.

O fato de Bolsonaro ter parabenizado Kajuru por essa patetice, incentivando-o a ir em frente tem duas explicações não excludentes. De um lado, Bolsonaro ama o caos e o conflito. Acredito que esse fator nunca deve ser desprezado quando se trata do presidente. É claro que ele gostaria de amedrontar os ministros do STF. Mas o plano dessa vez é tão ridículo jurídica, política e institucionalmente que provoca menos preocupação do que um riso de desespero.

Em um plano um pouco menos irracional, suponho que Bolsonaro imagine utilizar o discurso de que o STF não hesita em criar uma CPI contra o governo, mas se nega a cortar na própria carne entregando um de seus próprios integrantes ao impeachment. Sim, há bolsonarista que acredita em qualquer coisa. Mas a farsa é tão grande desta vez que, repito, dá mais vergonha do que qualquer outra coisa.

Quanto a Bolsonaro ter ameaçado o senador Randolfe Rodrigues com porradas, é apenas o presidente sendo ele mesmo. Chega quase a despertar uma certa compaixão. Deve ser difícil ser alguém tão comandado pela parte reptiliana do cérebro e ainda assim precisar vestir um terno todo dia e ocupar um espaço entre os Homens.

Sobre a divulgação. Se Kajuru pos o áudio nas redes sem autorização de Bolsonaro, temos a prova cabal de que não existe mais sentido nenhum de institucionalidade no país. O presidente pode, sim, demonstrar alguma indignação. Como o fez. Mas só um pouco. Nenhum senador pensaria em fazer algo parecido com um presidente que se desse um pouco mais ao respeito.

Se Bolsonaro concordou com a divulgação, e agora ele e Kajuru fazem teatro, de lado a lado, chegamos mesmo ao grau zero da política. Não se pode nem mesmo falar em comédia ou farsa: é chanchada mesmo.

Finalmente, uma observação sobre o sistema eleitoral brasileiro, que o Congresso está querendo alterar. O sistema vigente hoje já dá bastante espaço para que políticos como Jorge Kajuru se elejam. São pessoas que não têm outras credenciais além da fama e de algum sentimento de indignação, ou desejo vago de “fazer o bem”, mas que nunca perdeu um minuto da vida pensando sobre políticas e administração públicas.

Se o Congresso fizer o que deseja, e implantar o tal sistema do “distritão”, em que apenas os candidatos mais votados são eleitos, só haverá gente famosa na política. Aquele sujeito que passou a vida lutando em silêncio por uma causa, ou estudando gestão pública, nunca mais chegará ao parlamento, pois costuma ser eleito pelos votos concedidos aos partidos no sistema proporcional.

Hoje, existe um Kajuru a mais do que o necessário no Senado. Imagine agora um Congresso feito só de Kajurus. Gostou?