Aos 47 anos, a estoniana Kaja Kallas assume no próximo domingo a diplomacia da UE com uma ideia muito clara em mente: enfrentar a Rússia, uma potência que considera como uma ameaça para toda a Europa.

A ex-primeira-ministra da Estônia (2021-2024), uma república báltica vizinha da Rússia, repete em todas as ocasiões que a invasão lançada por Moscou em fevereiro de 2022 na Ucrânia não só diz respeito a este país, mas ao continente inteiro.

“Eu cresci atrás da Cortina de Ferro sem escolha, sem liberdade”, disse ela em 12 de novembro na sua sabatina com os eurodeputados.

Até mesmo a história familiar de quem substituirá o espanhol Josep Borrell na frente da diplomacia da UE está muito ligada ao passado soviético da Estônia.

Em 2022, ela revelou que sua avó e mãe, então de seis meses de idade, foram deportadas para a Sibéria no início da Segunda Guerra Mundial. Também está na lista russa de pessoas procuradas por apoiarem a destruição de estátuas da era soviética na Estônia.

“Uma guerra em larga escala está causando estragos no continente europeu. A Rússia está contra a Ucrânia. Vejo coalizões de autocratas se formando ao nosso redor e giros geopolíticos ameaçadores em todo o mundo”, advertiu em sua audiência perante o Parlamento Europeu.

“Ela é, sem dúvida, a pessoa certa para manter a UE focada no único desafio de segurança que enfrentará nos próximos cinco anos: a Rússia”, comenta Daniel Hegedus, do think tank German Marshall Fund.

Sua experiência política também pesou na balança. No seu mandato de cinco anos, que começa em 1º de dezembro, será a primeira ex-chefe de governo a exercer o cargo de alta representante da UE para as Relações Exteriores e Política de Segurança.

– O primeiro teste: Trump –

O retorno de Donald Trump à Casa Branca, em 20 de janeiro, será seu primeiro teste de fogo.

Os europeus temem ficar sozinhos no apoio à Ucrânia, e sofrer as consequências de um acordo de paz obtido contra os interesses de Kiev. O magnata de Nova York prometeu pôr fim ao conflito “em 24 horas”, e deu a entender que poderia deixar de fornecer apoio militar à Ucrânia.

Kallas deverá, portanto, convencer o próximo governante americano. Segundo alguns especialistas, sua paixão pelo golfe, que compartilha com Trump, poderia ajudar.

“Cada vez que ela foi para os EUA, se encontrou com republicanos, é um bom ponto de partida”, diz Maria Martisiute, especialista do European Policy Centre.

Igualmente, “e com toda a probabilidade, se alinhará com as exigências de Trump relativas a um aumento da despesa militar na Europa”, ponto no qual insistiu muito o republicano, acrescenta Daniel Hegedus.

Nos primeiros cem dias de seu mandato, Kallas proporá medidas para fortalecer a indústria da defesa na Europa, em colaboração com o comissário europeu da Defesa, um cargo recém-criado que recai sobre o ex-primeiro-ministro lituano Andrius Kubilius.

“Ela foi muito bem preparada e causou uma boa impressão” quando se encontrou com as equipes do serviço diplomático da UE, destacou um dos seus responsáveis à AFP.

“Chega em um momento crítico, com uma nova energia. As pessoas querem alguém novo” após os cinco anos de Borrell, diz um diplomata europeu.

“Precisamos de um diplomata à frente da diplomacia europeia”, acrescentou esta mesma fonte, em uma alfinetada ao ex-ministro das Relações Exteriores espanhol, que por vezes irritou vários países-membros do bloco por determinadas posições que nem sempre refletiam o consenso entre os 27.

Kaja Kallas, cujo pai Siim foi primeiro-ministro da Estônia (2002-2003) e comissário europeu durante uma década, é “a pessoa que faz falta para a diplomacia europeia”, sublinhou nesta quarta-feira a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.

A alemã enumerou a lista de desafios que espera a ex-primeira-ministra estoniana. “Guerras, conflitos e sofrimento” na Ucrânia, Oriente Médio e África; uma situação perante a qual “a Europa deve desempenhar um papel mais importante”.

ob/avl/jvb/dd/aa