Corte de Apelação de Londres acolheu um recurso do escritório internacional PGMBM que deve permitir o julgamento na Inglaterra de uma ação movida por 200 mil vítimas da tragédia de Mariana, que matou 19 pessoas em 2015. O rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, causou também o maior desastre ambiental da história do Brasil com o despejo de mais de 50 milhões de toneladas de rejeitos de mineração entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, que devastaram dezenas de comunidades, sufocaram o Rio Doce e chegaram até o mar. A decisão do tribunal, divulgada na sexta-feira, 8, foi unânime e reverteu o entendimento judicial anterior de primeira instância de que o processo na Inglaterra representa uma duplicação de iniciativas, já que existe um acordo judicial concluído no Brasil e pagamento de indenizações em andamento. Ainda há a possibilidade de um novo pedido de apelação pela BHP Billiton, agora junto à Suprema Corte, e a empresa tem um prazo de 28 dias para cumprir os trâmites. Em março, a ISTOÉ noticiou com exclusividade que havia grandes possibilidades de a Justiça inglesa aceitar a jurisdição do caso brasileiro, que se confirmou.

REVOLTA Manifestantes pressionam pelo acolhimento de processo pela Justiça inglesa (Crédito:Divulgação)

O processo envolve pedidos de indenização de 5 bilhões de libras (R$ 32 bilhões) e, se for realmente acolhido, será a maior ação coletiva já julgada na Inglaterra em número de vítimas e a segunda em valores. “Essa decisão é extremamente positiva para os autores da ação e traz esperança de Justiça para todas as vítimas da tragédia”, afirma a advogada do PGMBM Bruna Ficklscherer. Embora considere a possibilidade da jurisdição da ação ainda ser derrubada na Inglaterra, Bruna acredita que isso tem poucas chances de acontecer. “Será difícil para a BHP Billiton cumprir os requisitos para derrubar o processo, as empresas costumam alegar a existência de duplicação, mas nossos argumentos a favor das vítimas são muito fortes”, diz. Bruna explica que para estruturar sua demanda a ponto de ela ser julgada na Inglaterra, o PGMBM, utilizou a legislação ambiental brasileira, a legislação processual inglesa e regulamentos europeus. Em caso de vitória na ação, o escritório receberá uma comissão de 30%. Entre as 200 mil vítimas da catástrofe estão 25 prefeituras, 6 autarquias, 531 empresas, 14 instituições religiosas e membros da comunidade indígena Krenak. 

Para a BHP Billiton, grupo anglo-australiano que controla a Samarco junto com a brasileira Vale, o processo na Inglaterra é desnecessário por duplicar questões cobertas pelo trabalho em andamento no Brasil que envolve pagamentos de indenização e um longo esforço de reparação de danos já cobertos da Fundação Renova, criada pela Samarco, BHP e Vale. Em nota, a empresa informou que o julgamento do dia 8 “se refere a questões preliminares referentes ao caso; não é uma decisão relacionada ao mérito dos pedidos formulados na ação inglesa”. “Revisaremos a decisão e consideraremos nossos próximos passos, o que inclui a possibilidade de requerer permissão para recorrer à Suprema Corte do Reino Unido.  A BHP continuará com sua defesa na ação no Reino Unido e tentará.

“Essa decisão da Corte de Apelação é extremamente positiva para os autores da ação e traz experança para todas as vítimas da tragédia” Bruna Ficklscherer, advogada do escritório PGMBM

O advogado especializado em direito ambiental, Édis Milaré, vê um erro na aceitação do caso pela Justiça inglesa e identifica uma duplicidade de processos. “Há um equívoco. A Justiça brasileira cumpriu seu papel e o acordo está sendo realizado pela Fundação Renova. A gente precisa se acautelar quanto ao inusitado de se julgar em outro país um caso acontecido no Brasil”, afirma. Para Milaré, haverá problemas se o tribunal inglês der ganho de causa às vítimas de Mariana e decidir que o pagamento das indenizações será feito no Brasil. Nesse caso, segundo ele, o processo inglês não tem chance de colher resultados. Segundo a BHP, até hoje, R$ 21,8 bilhões foram desembolsados nos programas de remediação e compensação executados pela Fundação Renova. “No final deste ano, cerca de R$ 30 bilhões terão sido despendidos em programas de reparação e compensação para os atingidos. Atualmente, mais de R$ 9,8 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 376 mil pessoas”, completa. Pelo Sistema Indenizatório Simplificado, R$ 6,1 bilhões foram pagos para quase 59 mil pessoas com dificuldade em comprovar seus danos.

Danos persistentes

Cristiane Mattos

Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, de Minas Gerais, e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revela que a população de Brumadinho (MG), onde houve o rompimento de uma barragem da Vale, em 2019, apresenta altos níveis de exposição a metais pesados, que causam graves problemas de saúde. A tragédia matou 260 pessoas e deixou um rastro de destruição. O levantamento mostra que a dosagem de cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês detectado por meio de exames de sangue ou urina, estão muito acima dos limites de referência e segurança, principalmente entre os adolescentes. Entre os metais com concentrações elevadas está o arsênio total na urina (28,9%), manganês no sangue (52,3%) e chumbo no sangue (12,2%)