Autor de estudo que busca entender os motivos que têm levado a população a acionar tão recorrentemente o Judiciário, o pesquisador Luciano Timm – professor do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) – considera que o sistema público de Justiça hoje “está valendo mais a pena para quem não tem razão, do que para quem tem”.

O professor indica que as pessoas recorrem ao Judiciário “não necessariamente por direito, mas por interesse”, e vê risco de criação de uma “indústria de litigância”, propondo medidas para melhorar a eficiência do Judiciário.

Em estudo intitulado “Propostas para uma reforma do sistema de Justiça no Brasil”, Timm lista medidas como a uniformização e harmonização entre as decisões judiciais, a especialização das varas de Justiça, e a criação de “filtros de admissibilidade” nas fases iniciais do processo.

Ao Estadão, o pesquisador detalhou as proposições, citando medidas já previstas em lei, como a aplicação de precedentes, e outras ações que chamou de “polêmicas” como o estabelecimento de critérios para a assistência judicial gratuita.

A pesquisa divulgada no último dia 10, parte da chamada Análise Econômica do Direito, tendo como base a ideia que “na ausência mínima de barreiras colocadas pelo sistema público, haveria uma estrutura de incentivos que conduziria a uma superutilização e mesmo uma litigância predatória por litigantes oportunistas”.

Timm aponta que a discussão do acesso à Justiça na área jurídica ainda é muito feita em “cima de opiniões, percepções, experiências pessoais” e sugere uma análise com base em evidências. A pesquisa foi focada na Justiça comum, que envolve causas com valor de mais de 40 salários mínimos.

“O que a pesquisa mostrou é que, no fundo, você tem uma estrutura de incentivos para litigar muito no Brasil, mais do que qualquer país do mundo, o que faz com que o Judiciário se torne muito caro, e mais caro do que em qualquer outro país da OCDE, em termos de porcentual de PIB. E, além de ser caro, ele é ineficiente porque que ele repete as demandas. Então é como se o contribuinte tivesse que pagar inúmeras vezes”, pondera.

O estudo contou com a aplicação de questionários semiestrtuturados aplicados em três Estados – Rio Grande do Sul, São Paulo e Pará – com o objetivo de entender porque as pessoas entram na Justiça. “No fundo fica uma lição de que as pessoas entram não necessariamente por direito, mas por interesse. Interesse pode ser procrastinar um processo, pode ser não pagar um imposto, pode ser fazer um acordo. Tem vários motivos para entrar na justiça. Então a gente precisou ouvir partes”, indicou.

Segundo o professor, a “racionalidade para litigância” é semelhante nos três Estados: “É custo, risco, interesse, ganho e sim Justiça. O problema é que acaba como a gente chama em ‘direito economeiro’, fazendo uma seleção adversa. Hoje o sistema público de Justiça está valendo mais a pena para quem não tem razão do que pra quem tem”.

Nesse contexto, Timm sugere mudanças legislativas e medidas de política pública judiciária – de competência do Conselho Nacional de Justiça – para tornar o Poder Judiciário mais eficiente, a começar pelo estabelecimento de “precedentes vinculantes”, ou seja, a necessidade de se respeitar decisões anteriores da Justiça.

Segundo o pesquisador, a aplicação de medidas ligadas a esses “precedentes vinculantes” estaria mais facilitada, porque trata-se de uma questão já posta em lei. Timm citou até uma discussão de grupo de estudos da FGV que chegou a refletir sobre a possibilidade de o CNJ baixar uma normativa relacionada a carreira dos magistrados, no sentido de que houvesse uma recomendação para que a evolução por mérito “dependesse de algum respeito ao precedente”.

“Então a questão de precedente é mais fácil, já tem lei. Basta ter enforcement. Poderia ter algum aperfeiçoamento. Discutimos recentemente num grupo de trabalho, você tornar o precedente um requisito para entrar no Judiciário, então o advogado tem que colocar na petição, o réu ter que responder com precedente e o juiz tem que obrigatoriamente colocar na sentença.”

Além disso, o pesquisador propõe a criação de uma carreira específica, para gerenciar a “máquina” do Judiciário. Segundo Timm, administradores ficam “horrorizados” com a lógica de gestão das varas de Justiça. O professor reconhece que tal proposta geraria um custo, mas indica que se houvesse uma redução do número de processos, seria possível investir nesse aspecto de gestão.

Um terceiro ponto citado pelo pesquisador é o “uso massivo de tecnologia e métodos alternativos de solução de disputa”. Timm cita plataformas de solução de disputas online com inteligência artificial, que evitam que certas demandas sejam levadas ao Judiciário, destaca iniciativas como o consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça e ainda lembra de métodos alternativos, com mediação e arbitragem.

“Isso é uma forma de redução de processos e de incentivo ao cumprimento da lei. Porque se o processo judicial demora muito tempo, o processo fiscal por exemplo, acaba sendo um incentivo comportamental a não pagar imposto. Pode ser contraintuitivo, mas se a gente supor que a empresa é um agente econômico racional e o estado é ineficiente, por que você vai pagar imposto?. ‘Ah mas moralmente’, bom aí não é ciência, aí é filosofia, uma outra campo do conhecimento”, pondera.

O pesquisador também destaca medidas como a publicação, pelo CNJ, de dados de análise de eficiência dos tribunais – que, segundo Timm, indicam que algumas cortes podem melhorar. Além disso, cita uma medida que chama de “polêmica” – a de controlar o acesso à Justiça pública estabelecendo critério objetivo para definir quem recebe assistência judiciária gratuita.

“Um dos critérios que a pesquisa sugere é isenção fiscal – quem não paga imposto, porque não tem condições. Então apresentaria para o juiz esse comprovante, não paga e tem acesso. Se tiver condições de pagar, paga. Porque senão você cria um uma estrutura de incentivos que não custa nada litigar. E aí você gera uma indústria de litigância. Acho que não é o que o contribuinte quer pagar”, diz.

Já com relação aos grandes litigantes, ou seja, as grandes corporações, o Timm propõe que, se houver precedentes claros e uma empresa os desrespeite, seja aplicada uma multa de litigância de má-fé. O professor defende que haja um precedente do STJ sobre o tema, e a partir daí, haja a aplicação.