A Justiça do Zimbábue considerou legal a intervenção das Forças Armadas que levou à renúncia na terça-feira (21) do presidente Robert Mugabe, uma decisão que lança dúvidas sobre a “nova democracia” prometida por seu sucessor, Emmerson Mnangagwa.

Um tribunal de Harare, acionado por dois cidadãos, justificou a intervenção militar ao estimar que seu objetivo era impedir as pessoas não eleitas de ocupar funções eletivas.

“As ações das Forças de Defesa zimbabuenses destinadas a impedir que pessoas próximas ao ex-presidente Robert Mugabe usurpassem o poder foram constitucionais”, estimou na sexta-feira (24) e, citado pela televisão nacional ZBC.

Apesar de não citá-los, a decisão alude à ex-primeira-dama do país, Grace Mugabe, e seu entorno, que originaram a a crise que levou à queda de Mugabe.

Os militares assumiram o controle do país na noite de 14 a 15 de novembro para se opor à demissão do então vice-presidente Emmerson Mnangagwa, que barrava o caminho da primeira-dama Grace Mugabe para a sucessão de seu marido.

Um porta-voz dos generais negou qualquer tentativa de golpe contra o governo, afirmando que sua operação destinava-se a eliminar “criminosos” da comitiva do chefe de Estado, neste caso, sua esposa Grace e seus apoiantes.

Posto sob prisão domiciliar, Robert Mugabe resistiu durante vários dias à pressão do exército, de seu partido e das rua, antes de apresentar sua renúncia na terça-feira, sob a ameaça de um processo de impeachment pelo Parlamento.

Após um breve exílio sul-africano, Emmerson Mnangagwa prestou sermão na sexta-feira (24) como presidente do país.

Em seu discurso de posse, prometeu restaurar a economia, combater a corrupção e que as eleições programadas para 2018 seriam “livres e justas”.

– Dúvidas –

Em outra decisão desta sexta, a Justiça também anulou, a pedido de Mnangagwa, sua destituição.

Essas duas decisões reforçam o debate sobre o passado “democrático” de Mnangagwa, apelidado de “crocodilo”, braço-direito durante década de Mugabe.

O responsável regional da ONG Human Rights Watch (HRW), Dewa Mavhinga, não escondeu sua surpresa após as “sentenças inacreditáveis”. “Justiça estranha, controlada?”, questionou no Twitter.

“A Justiça apoiou a interpretação do exército, segundo a qual está autorizado e é legal intervir em assuntos políticos”, concordou neste sábado Alex Magaisa, especialista em direito zimbabuense.

“É um perigoso precedente que deixa o governo sob o controle dos militares”, escreveu no portal Big Saturday Read.

Para alimentar esses temores, a Justiça começou no sábado a interrogar alguns apoiadores de Grace Mugabe, detidos pelo exército após sua intervenção.

O ex-ministro de Finanças, Ignatius Chombo, foi interrogado neste sábado, acusado de corrupção, abuso de poder e fraude.

Chombo explicou ao juiz que foi interrogado por desconhecidos durante oito dias, antes de ser entregue à polícia.

Foi “um interrogatório por uma ou duas pessoas, as quais eu não podia ver” explicou o ex-ministro. “Um me disse que eu não tinha gerido bem meus ministérios. Outro, que não havia dirigido bem o partido”.

Antes, o ex-diretor da juventude do partido no poder, a Zanu-PF, Kudzai Chipanga, compareceu, por ter “publicado declarações que prejudicam” o Estado, ou o exército. Ele está em prisão provisória até seu julgamento.