A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação civil pública contra uma produtora de eventos de São Paulo (SP) por “explorar o trabalho artístico de um menino de 12 anos como MC (abreviação de ‘mestre de cerimônias’, usada para denominar cantores de funk, rap e hip hop)”. O processo tramita em segredo de justiça.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a competência da Justiça Comum para a concessão de autorização para trabalho artístico infantil, “o caso envolve condições de trabalho moralmente degradantes”, destaca a Corte.

Em 2015, a partir de notícias publicadas na imprensa, o Ministério Público do Trabalho instaurou investigação e confirmou que, “nos shows, as músicas cantadas pelo ‘MC’, além do conteúdo erótico, faziam apologia a diversas condutas criminosas, como exploração sexual de crianças e adolescentes, prática de atividades sexuais por menores de 14 anos (crime de estupro de vulnerável, conforme o artigo 217-A do Código Penal), relação sexual não consentida (crime de estupro – artigo 213 do Código Penal) e consumo de bebidas alcoólicas (conduta criminosa).

A Justiça Comum chegou a proibir as apresentações do “mestre de cerimônias” em várias cidades, mas a empresa, sem mostrar interesse em assinar o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público do Trabalho, continuou produzindo shows.

Para impedir a atividade, a Procuradoria do Trabalho propôs a ação civil pública e requereu a tutela preventiva para impedir a realização dos shows, a fixação de multas e a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de pelo menos R$ 2 milhões.

Incompetência

O juízo da 33ª Vara do Trabalho de São Paulo declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para examinar o caso com base em decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5326, em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou a competência da Justiça do Trabalho para autorizar trabalho artístico infantil.

Porém, por considerar que a conduta da empresa trazia grandes prejuízos para a sociedade como um todo, por transmitir “um paradigma de comportamento que não pode ser aceito”, condenou a produtora a pagar indenização a título de dano moral coletivo de R$ 200 mil.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve o entendimento sobre o alcance da decisão do Supremo e destacou que, embora a pretensão da Procuradoria tivesse relação circunstancial com o Direito do Trabalho, não se discutia, na ação, a contratação formal entre a empresa e o ‘MC’.

Com isso, afastou também a condenação relativa ao dano moral coletivo e remeteu o caso à Justiça Comum.

‘Conteúdo pervertido’

O ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do recurso de revista do Ministério Público do Trabalho, observou que o caso revela a exploração de trabalho infantil para a veiculação de conteúdo pervertido com a finalidade de obtenção de lucro em favor da empresa e, por isso, “clama pela atuação da Justiça do Trabalho”.

Segundo o ministro, cabe à Justiça do Trabalho assegurar a efetividade das normas constitucionais e internacionais que visam salvaguardar os direitos de crianças e adolescentes submetidos a relações de trabalho, “especialmente aquelas flagrantemente deletérias”.

Sobre a conclusão do TRT de que não se estaria diante de contratação formal, o ministro ressaltou que, se esse entendimento prevalecesse, a Justiça do Trabalho não teria competência para reconhecer a existência de qualquer vínculo de natureza trabalhista, “o que seguramente não é o caso”.

De acordo com o relator, o Direito do Trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade, que privilegia os fatos em detrimento de aspectos formais marginais.

Alvarás

O ministro explicou que os dispositivos da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) atribuem às Varas da Infância e da Juventude, da Justiça Comum, a autorização para a entrada e a permanência de crianças e adolescentes desacompanhados em locais destinados a público adulto.

Esse ramo do Judiciário também é responsável pela expedição de alvarás para a participação de menores em espetáculos públicos e concursos de beleza.

Mas, conforme o relator, “em nenhum momento o legislador conferiu ao Juízo da Infância e da Juventude o poder de autorizar a exploração de trabalho artístico de crianças e adolescentes”.

No caso, se existiu alguma autorização judicial para a atuação do “MC” nos espetáculos, conforme as razões apresentadas pelo Ministério Público, “teria ocorrido posterior abuso de direito por parte da empresa na condução da carreira ‘artística’ do jovem”.

O ministro destacou que os fundamentos do Supremo na decisão da ADI 5326 ressalvam a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de questões de natureza trabalhista posteriores à autorização para a participação de crianças e adolescentes em eventos artísticos.

“Por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, sobressai a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar a presente ação civil pública, em todos os seus termos e pedidos”, concluiu Alexandre Agra Belmonte.

Por unanimidade, a Terceira Turma deu provimento ao recurso da Procuradoria do Trabalho e determinou o retorno do processo ao juízo de primeiro grau para que prossiga no julgamento.