Um tribunal do Quênia considerou nesta sexta-feira (26) “inconstitucional, ilegal e inválido” o plano do governo de enviar mil agentes policiais para o Haiti no âmbito de uma missão apoiada pela ONU.

O governo queniano reagiu rapidamente, declarando que recorrerá “de imediato” da decisão judicial, disse seu porta-voz Isaac Maigua Mwaura.

Essa decisão representa um freio a essa força multinacional, muito esperada por Porto Príncipe, destinada a deter o caos crescente no pequeno país caribenho. Ali, a violência de gangues deixou cerca de 5.000 mortos em 2023, dos quais mais de 2.700 eram civis, de acordo com o último relatório das Nações Unidas.

Além desse clima de terror generalizado, com seus habitantes forçados a fugir, ou a se esconder, o país atravessa uma das “piores” crises alimentares do mundo, alerta o relatório.

Ante os chamados cada vez mais urgentes do governo haitiano e da ONU, o Quênia concordou em liderar essa missão, composta por entre 2.500 e 2.600 soldados e que deveria ser destacada “durante o primeiro trimestre de 2024”, segundo a representante especial adjunta da ONU no Haiti.

Ratificado pelo Parlamento queniano em 16 de novembro, o plano gerou protestos no país africano.

O membro da oposição Ekuru Aukut recorreu ao Tribunal Superior de Nairóbi, porém, alegando que essa missão é inconstitucional, porque não se baseava em qualquer lei ou tratado.

“O Conselho de Segurança Nacional não tem nenhum mandato para enviar agentes da polícia nacional para fora do Quênia”, afirmou o juiz Enock Chacha Mwita nesta sexta-feira.

Uma “decisão assim vai contra a Constituição e a lei e, portanto, é inconstitucional, ilegal e inválida”, acrescentou.

– ‘Missão para a humanidade’ –

O ministro haitiano das Relações Exteriores, Jean Victor Généus, exigiu na quinta-feira que reforços sejam enviados rapidamente para a ilha.

“Cada dia que passa é mais um dia (…) que vivemos no inferno das gangues”, declarou ele no Conselho de Segurança da ONU.

O Quênia já participou de várias missões de paz em países vizinhos, como a República Democrática do Congo, ou a Somália, e em outras partes do mundo, incluindo Libéria, Timor Leste e a antiga Iugoslávia.

Após o anúncio de que planejava enviar policiais para o Haiti, um país altamente instável e perigoso, o governo queniano foi, no entanto, duramente criticado.

A decisão do tribunal nesta sexta representa um revés para as autoridades quenianas.

O presidente William Ruto havia afirmado que esse destacamento constituía uma “missão para a humanidade” em um país, segundo ele, devastado pelo colonialismo.

De acordo com a resolução do Conselho de Segurança da ONU adotada em outubro passado, com 13 votos a favor e 2 abstenções, de China e Rússia, essa “missão multinacional de apoio à segurança” – não subordinada às Nações Unidas – deveria durar 12 meses inicialmente, com uma revisão depois de nove meses.

Além disso, a resolução instava a futura missão a “tomar medidas apropriadas em matéria de gestão de águas residuais” para prevenir a propagação de doenças.

Com essa recomendação, a ONU provavelmente buscava convencer os haitianos do interesse da missão, em meio às más recordações da última força internacional instalada em seu território.

Presentes no país de 2004 a 2017, os capacetes azuis da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) provocaram uma epidemia de cólera que deixou mais de 10.000 mortos. Um episódio que explica, em parte, porque a futura missão não será realizada sob a bandeira da ONU.

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