Justiça chilena cassa mandato de filha de Salvador Allende no Senado

Justiça chilena cassa mandato de filha de Salvador Allende no Senado

"SenadorMaria Isabel Allende perdeu mandato de senadora após imbróglio envolvendo tentativa de venda da casa do seu pai para o Estado chileno, com o objetivo de transformar a residência do ex-presidente em um museu.O Tribunal Constitucional do Chile decidiu nesta quinta-feira (03/04) destituir a senadora Maria Isabel Allende Bussi de seu cargo, acatando uma denúncia apresentada por parlamentares da oposição ao governo do presidente chileno Gabriel Boric.

Ela foi acusada de ferir a Constituição ao tentar vender a histórica residência de seu pai, o falecido presidente socialista Salvador Allende, ao Estado chileno.

Maria Isabel Allende é homônima da escritora chilena-americana Isabel Allende, filha de um primo de Salvador Allende, que se exilou na Venezuela durante a ditadura no Chile.

A controvérsia começou no final de 2024, quando o governo anunciou a compra da antiga residência de Allende por 933 milhões de pesos chilenos (R$ 5,5 milhões) ao final de dezembro.

O objetivo era transformar a casa em um museu sobre a vida do líder da Unidade Popular (UP), deposto em 1973 por forças militares alinhadas com o general Augusto Pinochet.

A operação envolveu a assinatura de contratos com herdeiros do ex-presidente, entre eles, a neta de Salvador Allende e ex-ministra da Defesa, Maya Fernández, e uma de suas filhas, a senadora Isabel Allende.

No entanto, ambas estavam constitucionalmente impedidas de firmar convênios com o Estado devido a seus cargos públicos. Fernández comandava a Defesa até março deste ano, quando renunciou após a polêmica.

Uma investigação judicial foi aberta sobre o caso, que buscava esclarecer se houve fraude contra o tesouro na compra da residência. O governo reverteu a decisão apenas três dias após anunciar a compra.

Além da casa da família Allende, o governo anunciou a compra da residência do ex-presidente chileno Patricio Aylwin (1990-1994), também para transformá-la em um museu, uma proposta que não foi bem recebida e recebeu críticas da oposição. Após a polêmica, Boric demitiu a então ministra de Bens Nacionais, Marcela Sandoval. Outros seis funcionários da pasta também pediram demissão.

"Memória de Allende permanece intacta"

De acordo com a mídia local, que teve acesso ao despacho do órgão, a decisão foi acatada por 8 votos a 2 e põe fim a uma carreira parlamentar ininterrupta de três décadas da socióloga. Allende foi a primeira mulher a presidir o Senado no país.

Segundo o jornal espanhol El País, entre os juízes favoráveis à destituição estão duas ministras nomeadas pelo presidente Boric em 2022. A medida entrará em vigor assim que ela e sua legenda, o Partido Socialista (PS), forem oficialmente notificados.

"A memória do presidente Allende permanecerá intacta. A decisão judicial não a mancha. Hoje não haverá museu, mas ainda haverá ruas e praças com seu nome em todo o Chile e no mundo, bem como seu legado político e o carinho de milhões de compatriotas", disse a socióloga em um comunicado.

"Em meus mais de 30 anos como servidora pública, nunca usei meu cargo para ganho pessoal e sempre respeitei a Constituição e a lei", acrescentou Allende, ressaltando que a família agiu de "boa fé".

Segundo ela, todas as indicações legais para a venda da residência foram seguidas, e a transação nunca se concretizou. "Nunca recebemos nenhum dinheiro por um projeto que não prosperou", afirmou.

A senadora é considerada uma embaixadora de sua família, que se tornou símbolo de resistência contra a repressão militar enfrentada no país nos anos 1970 e 1980.

Ultradireita vitoriosa

A decisão foi tomada como uma vitória política pelo ultradireitista Partido Republicano meses antes da próxima eleição presidencial no país, marcada para novembro. A sigla encabeçou a petição ao lado de membros da coalizão Chile Vamos, que inclui a Renovação Nacional (RN) e a União Democrática Independente (UDI).

"Agradecemos a resolução de aceitar nosso pedido de destituição da senadora Isabel Allende por ter cometido um delito constitucional (…) Parlamentares não podem firmar contratos com o Estado, e uma pessoa que está no cargo há mais de 30 anos não poderia deixar de estar ciente disso", disse o presidente do Partido Republicano, Arturo Squella, em um comunicado à imprensa.

"Grave precedente"

A porta-voz do governo chileno, Aysén Etcheverry, disse que a decisão "abre um grave precedente".

"Como poder executivo, é claro que devemos respeitar as decisões do Tribunal Constitucional, mas não podemos deixar de lamentar", disse.

"A senadora Isabel Allende representa uma trajetória política, profissional e pessoal de compromisso democrático que marcou profundamente a história de nosso país. Estamos convencidos de que ela e sua família agiram de boa fé", acrescentou.

gq (DW, EFE, ots)