A Justiça Federal em São Paulo determinou o bloqueio de bens de sete pessoas e uma empresa suspeitas de irregularidades em obras na pista de pouso e no pátio de aeronaves do Aeroporto de Congonhas, na zona sul da capital paulista, iniciadas em 2001. A decisão liminar atende pedido do Ministério Público Federal, que ajuizou em abril uma ação de improbidade administrativa contra os investigados. Segundo a Procuradoria da República, as irregularidades não só causaram danos ao erário, como também proporcionaram as condições que levaram ao acidente com o Airbus A-320 da TAM em julho de 2007, no qual 199 pessoas morreram.

As informações foram divulgadas nesta segunda-feira, 16, pelo Ministério Público Federal em São Paulo. Os serviços de ampliação e recuperação da pista de pouso principal de Congonhas e reforma do pátio de estacionamento das aeronaves foram solicitados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) em 2001.

A companhia Talude Comercial e Construtora Ltda., dos empresários Paulo Arthur Borges e Shinko Nakandakari, foi a vencedora da concorrência pública para a execução das obras, com previsão de entrega para setembro de 2003.

Um ano antes do prazo final, em setembro de 2002, a Talude notificou a Infraero sobre a conclusão dos serviços e a entrega da obra. No entanto, segundo a Procuradoria, ao se avaliar o resultado, constataram-se várias irregularidades técnicas e inconsistências nos pagamentos efetuados à empresa. Embora os serviços estivessem inacabados, a companhia já havia recebido R$ 5,96 milhões até julho de 2002, valor superior em R$ 500 mil ao inicialmente pactuado.

A autorização dos repasses por serviços não concluídos ou realizados em desacordo com o contrato gerou prejuízos aos cofres públicos superiores a R$ 1,2 milhão, em valores atualizados. “O pagamento dissonante do cronograma, sem a efetiva execução dos serviços, esvaziou o valor do contrato antes do encerramento da tarefa, inviabilizando a conclusão da obra”, diz trecho da ação do MPF.

Após uma série de aditamentos e tentativas de solução das pendências, o contrato foi encerrado em 2004. Ainda assim, estudos técnicos indicaram diversas falhas estruturais nas obras, como índices de atrito inferiores aos adequados e empoçamento de água na pista. Com base nesses dados, a Infraero promoveu uma nova licitação em 2006 para regularizar as instalações. Porém, o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou falhas que comprometiam a competição e a isonomia no certame e determinou o cancelamento do edital.

As obras só foram retomadas em maio de 2007, com a contratação emergencial do consórcio OAS/ Camargo Corrêa/ Galvão, que já realizava reformas em outras áreas do aeroporto. Passados 45 dias, a pista principal entrou novamente em operação, sem passar por inspeção após o término dos trabalhos. Segundo relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), houve diversos relatos de pilotos sobre pista escorregadia após o dia 15 de julho, quando voltou a chover em São Paulo. O acidente com o Airbus da TAM ocorreu no dia 17.

O consórcio responsável pela obra emergencial e funcionários da Infraero já são alvo de outra ação civil pública, ajuizada em 2009. Nela, o MPF pede o ressarcimento por diversas irregularidades não só nos serviços realizados na pista principal, mas também na pista auxiliar e no terminal de passageiros. O processo tramita na 25ª Vara Cível da Justiça Federal em São Paulo.

Réus

Além da Talude e de seus representantes, são réus na nova ação os empregados da Infraero então responsáveis por gerir e inspecionar o cumprimento do contrato. A primeira comissão de fiscalização era formada pelos engenheiros Rommel Albino Clímaco, Marcelo Pissara Bahia e Carlos Eduardo Russo, que atestaram serviços não realizados e possibilitaram o pagamento das quantias à empresa contratada.

Já a segunda comissão tinha como integrantes Cecília Helena dos Santos Alzuguir e Carlos Roberto dos Santos. Cecília era gerente de engenharia da Infraero e, diante das irregularidades constatadas, deixou de tomar as medidas cabíveis, como a rescisão do contrato e a penalização da Talude. Não bastasse essa omissão, ela e Carlos Roberto registraram em 2005 que os serviços haviam sido executados dentro dos padrões e das normas técnicas estabelecidas, apesar de as pendências permanecerem insolúveis.

Ao todo, os réus tiveram R$ 2,43 milhões em bens bloqueados, valor referente aos recursos necessários para o ressarcimento dos prejuízos e o pagamento de multa, caso sejam condenados ao final do processo. Na ação, o MPF pede também que a Justiça Federal determine a perda da função pública que os envolvidos eventualmente ocupem, a suspensão de seus direitos políticos por oito anos e a proibição de que firmem contratos com o Poder Público ou recebam incentivos fiscais e creditícios por cinco anos.

A Talude, seus sócios e os funcionários da Infraero que participaram das irregularidades são réus também em outro processo, movido pela Infraero, para o ressarcimento dos danos ao erário. A ação foi ajuizada em janeiro deste ano, e todos já foram citados para que apresentem defesa.