Julgamento de Bolsonaro: 9 pontos-chave para entender o voto de Fux

Julgamento de Bolsonaro: 9 pontos-chave para entender o voto de Fux

O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou para absolver o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) dos cinco crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na trama da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

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Seu voto, que durou por volta de 13 horas, foi divergente em relação aos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, relator do caso. O placar está em 2 a 1 pela condenação de Bolsonaro. Ainda faltam os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

O magistrado votou pela validade da delação do tenente-coronel Mauro Cid, que embasou a investigação da Polícia Federal, mas acolheu pedidos das defesas e defendeu que a corte não tem competência para esse processo, que deveria ser anulado.

Neste texto, a IstoÉ apresenta e contextualiza os principais pontos do voto.

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Incompetência para julgar

Fux afirmou que a corte não tem competência para julgar o processo contra Bolsonaro e demais acusados, dado que, conforme o último entendimento do próprio STF a respeito da prerrogativa de foro, réus sem mandato federal devem ser julgados em primeira instância.

“Compete ao STF principalmente a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns o presidente da República, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o PGR. O primeiro pressuposto que o ministro deve analisar antes de ingressar na denúncia ou petição inicial é verificar se ele é competente”, disse.

Em seguida, Fux disse que a prerrogativa de foro teve inúmeras modificações, o que provocou uma “certa banalização dessa interpretação constitucional”. Para o magistrado, a medida poderia ocasionar a criação de um “tribunal de exceção”.

“Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano”.

Em março deste ano, a Primeira Turma do STF rejeitou a preliminar das defesas dos réus que não do era competente para julgar o caso, visto que há uma jurisprudência na Corte de que, crimes praticados no exercício do cargo, a prerrogativa de foro de mantém mesmo após a autoridade ter deixado sua função pública.

Fux ainda defendeu que o caso deveria ter sido julgado pelo plenário do STF. “Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a formar de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal”, completou.

Na avaliação do ministro, a soma dessas questões deveria embasar a nulidade do processo.

Papel do Judiciário

O ministro distanciou o exercício do STF das funções Legislativa e Executiva, destacando que não cabe aos ministros fazer “juízo políticos” sobre o que é conveniente ou inconveniente, mas julgar a partir das evidências apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) se elas contém ou não elementos inconstitucionais.

Ninguém pode ser punido apenas por ser merecedor de pena de acordo com nossas convicções morais“, citou durante o voto.

Defesa cerceada por ‘tsunami de dados’

Fux considerou haver um cerceamento de defesa devido à disponibilização tardia e desorganizada de 70 terabytes de provas, incluindo 255 milhões de mensagens e 1200 equipamentos eletrônicos, apelidado de “data dump”.

O magistrado mencionou legislações internacionais e precedentes do STF para sustentar que as defesas dos réus foram prejudicadas pela falta de acesso prévio e indexado às provas. A entrega dos dados em maio de 2025, sem nomenclatura adequada, levou Fux a reconhecer a violação do contraditório e declarar a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia.

Delação de Cid tem validade

O ministro reconheceu ter mudado sua visão sobre o dispositivo da delação premiada. No caso de Mauro Cid, que colaborou com as investigações em novembro de 2023 e deu base às coletas de provas da Polícia Federal, Fux destacou seu valor para revelar fatos e identificar coautores, formando maioria para manter sua validade.

Suspensão de ações contra Ramagem

Fux defendeu a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), com base em uma jurisdição da Câmara Federal, que interrompe ações e prazos prescricionais para crimes após a diplomação.

O magistrado considerou o crime de organização criminosa permanente, prolongando-se no tempo, o que justifica a extensão da suspensão a outros crimes imputados, como dano qualificado e violência contra o patrimônio da União.

Ausência de organização criminosa

Fux considerou que os oito réus do processo não cometeram o crime de organização criminosa nos atos relatados pela PGR. “Não há qualquer descrição na denúncia de que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento. O fato de haver militares entre os denunciados ou pessoas detentoras do direito ao porte de arma de fogo não atrai por si só a incidência da majorante”, justificou, lembrando que os próprios magistrados têm direito ao porte de arma, o que não justifica imputação de envolvimento criminal.

Somadas, as penas máximas pelas acusações podem chegar a 43 anos de prisão. No caso da organização criminosa, a punição prevista é de reclusão de 10 anos e multa. Como relatou a IstoÉ, as defesas dos acusados tinham esperança na interpretação de Fux sobre a dosimetria das penas para reduzir o tempo de prisão de seus clientes mesmo em caso de condenação, tanto pelo entendimento de que determinados delitos não foram configurados quanto pela absorção de um crime por outro. O ministro já havia indicado essa interpretação ao julgar invasores do 8 de janeiro de 2023.

Imputação por danos de terceiros

Ao se referir às acusações de danos ao patrimônio – imputadas pela PGR em relação à invasão da praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 -, Fux considerou que não é possível condenar um réu por ação de terceiros. O ministro destacou que a responsabilidade individual de cada julgado deve ser comprovada por fatos concretos, sem imputação de crimes cometidos por outras pessoas.

“Não há prova de que alguns dos réus tinham dever de agir para impedir os danos causados em 8 de janeiro. A omissão não se configura pela ausência de ação, mas pela ausência de ação capaz de impedir o crime”, declarou Fux.

Ele também aproveitou para defender o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que teria tomado medidas necessárias para conter a depredação assim que foi avisado sobre ataque.

“Há evidências de que, assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido. Anderson Torres assim agiu”.

Acampamentos em frente aos quartéis não configuram crime

No inquérito da PGR, cita-se os acampamentos e manifestações de bolsonaristas em frente aos quartéis militares como uma tentativa de incentivar as Forças Armadas a intervirem no sentido de um golpe de Estado. Gonet, mais tarde endossado pela delação de Cid, entende que Bolsonaro e seus aliados deliberadamente estimularam os eleitores a acamparem nos pelotões sob narrativa golpista.

O ministro Fux, porém, ao justificar seu voto, reiterou que não considera tais atos como crime. Segundo ele, as ações seriam “pacíficas” e demonstram interesse legítimo na participação social e política do País.

“Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais, assim entendido o desejo sincero de participar do autogoverno democrático, mesmo quando isso inclua resignação pacífica contra os poderes públicos”, afirmou.

Conforme declarou o ministro, a legislação admite a exclusão de crime nos casos em que há exercício de direitos e garantias constitucionais, como a realização de reuniões, greves ou manifestações políticas com fins sociais.

O voto de Fux para cada condenado

Mauro Cid

Mauro Cid

Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro

Fux julgou procedente apenas o crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Para o ministro, Cid participou ativamente do plano após orientar aliados sobre medidas que deveriam ser tomadas. O magistrado citou trocas de mensagens ilícitas obtidas pela PF. Mauro Cid foi inocentado pelos demais crimes.

Almir Garnier

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Almir Garnier, ex-comandante da Marinha

Luiz Fux votou pela absolvição do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, acusado de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e outros crimes.

Segundo o magistrado, não há provas de que o ex-comandante da Marinha teria praticado os crimes imputados a ele pela PGR. O placar está 2 a 1 pela condenação. A PGR alega que Garnier integrou plano para impedir a posse de Lula, oferecendo apoio militar a Bolsonaro.

Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro

Fux entendeu que o ex-presidente não integrou organização criminosa. Em relação aos crimes de dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, Fux disse que não há nenhuma prova de que o ex-presidente mandou a multidão danificar os prédios públicos.

O ministro também votou para absolver Bolsonaro dos crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Em relação à suposta adesão a planos contra instituições e autoridades, o ministro afirmou não haver provas. Além disso, Fux considerou que não há provas de que Bolsonaro sabia do plano Punhal Verde Amarelo.

Walter Braga Netto

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Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice de Bolsonaro

Em relação à Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice de Bolsonaro, o ministro votou contra os crimes de organização criminosa, golpe de estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio. No entanto, ele votou para condenar Braga Netto por abolição violenta.

Paulo Sergio Nogueira

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Paulo Sergio Nogueira, ex-ministro da Defesa

Em seu voto, o ministro Fux votou pela absolvição de todos os crimes supostamente cometidos pelo ex-ministro da Defesa do governo de Bolsonaro: organização criminosa, abolição violenta, golpe de estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio.

Alexandre Ramagem

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O deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ)

Fux também votou para absolver o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). O placar está em 2 a 1 para condenar o parlamentar por organização criminosa, abolição violenta e golpe de estado.

Augusto Heleno

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O general Augusto Heleno

O ministro Fux votou pela absolvição de todos os crimes supostamente cometidos pelo general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional): organização criminosa, abolição violenta, golpe de estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio.

Anderson Torres

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Anderson Torres, ex-ministro da Justiça

Em relação à Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, o ministro Fux votou pela absolvição de todos os crimes supostamente cometidos por ele: organização criminosa, abolição violenta, golpe de estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio.